Para a maioria das pessoas, nadadeiras, máscaras e roupas de neoprene são equipamentos recreativos. Porém, para o grupo sem fins lucrativos Mulheres do Mar da Melanésia, Campeãs da Terra deste ano na categoria Inspiração e Ação, esses são materiais de transformação.
Revestidas por equipamento de mergulho, a equipe de mais de 30 integrantes mapeia a saúde dos delicados recifes de corais que cercam a Melanésia, um conjunto de Estados insulares no sul do Pacífico. O objetivo: ensinar técnicas de mergulho e conhecimentos de biologia às mulheres para monitorem a saúde dos recifes e criem e restaurem áreas de proteção marinha.
“Lembro-me da primeira vez que estive em uma vila de pescadores para tentar recrutar algumas mulheres para o nosso programa”, recorda Israelah Atua, integrante da Mulheres do Mar. “Elas nem queriam nos ouvir. Mas nós as convencemos de que a conservação marinha é necessária para proteger nossa subsistência”.
As Mulheres do Mar da Melanésia trabalham no chamado Triângulo de Corais, uma área que cobre cerda de 5,7 milhões de km² entre a Grande Barreira de Corais e os arquipélagos da Melanésia e do sudeste Asiático. Rica em biodiversidade marinha, a região é um dos principais destinos para o turismo náutico, além de ser o lar de uma grande indústria pesqueira. Também é particularmente ameaçada pelo crescimento populacional e por níveis elevados de resíduos.
Os recifes de coral em todo o mundo são reféns das mudanças climáticas, da pesca excessiva e da poluição. De 2009 até hoje, quase 14% dos corais do mundo desapareceram, de acordo com um relatório recente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Muitos dos que permanecem estão em perigo.
Recifes saudáveis são fundamentais para enfrentar os impactos da mudança climática, entre eles, a acidificação dos oceanos e os eventos extremos. Mas o relatório mostra que, a menos que sejam tomadas medidas drásticas para limitar o aquecimento global a 1,5°C, os corais vivos nos recifes poderão diminuir de 70 a 90% até 2050.
A boa notícia é que esses ecossistemas são resistentes e podem se recuperar caso o ambiente marinho seja protegido. A iniciativa Mulheres do Mar, dirigida pela Coral Sea Foundation, atua desde 2018 nas Ilhas Salomão e na Papua-Nova Guiné para promover a restauração dos recifes de coral e apoiar o estabelecimento de áreas de exclusão à pesca. Também apoia áreas marinhas protegidas nos dois países, para garantir a existência de peixes em abundância para a vida futura das comunidades.
As Mulheres do Mar simultaneamente mudam as narrativas do papel das mulheres na comunidade e as fornecem oportunidades de liderança.
“Ter uma mulher na comunidade que defenda o processo de estabelecimento das reservas marinhas e a conservação, em uma linguagem local, é importante para que as mensagens iniciais sobre a importância de áreas de proteção marinha sejam transmitidas”, disse Andy Lewis, diretor executivo da Coral Sea Foundation. “Nenhum trabalho de conservação pode ser feito nesses países sem o reconhecimento explícito da cultura indígena”.
Para as Mulheres do Mar, a combinação do conhecimento indígena com a ciência é essencial para o engajamento nas comunidades. O aprendizado que se obtém com a comunidade sobre onde os peixes estão presentes em certos períodos do ano, a relação entre a cor dos corais e os dados levantados com a pesquisa ou sobre como a maré pode mudar conforme a mudança climática é importante para ampliar o alcance do grupo e demonstrar o valor da preservação e das áreas marinhas protegidas.
Em compensação, dizem as Mulheres do Mar, elas desafiam as convenções indígenas sobre o papel da mulher no lar, na comunidade e na sociedade.
“Quando você treina uma mulher, você treina uma sociedade”, disse Evangelista Apelis, Mulher do Mar e codiretora do programa em Papua-Nova Guiné. “Estamos tentando instruir as mulheres, e envolvê-las, para que depois possam retornar e causar um impacto em suas próprias famílias e em sua sociedade também”.
As Mulheres do Mar passam por um rigoroso treinamento em biologia marinha, complementado por uma formação prática em técnicas de inspeção de recifes e ecologia de recifes de corais. Depois, aprendem a mergulhar.
“O que mais amo no meu trabalho é poder nadar e vivenciar a beleza do mundo subaquático”, afirma Apelis. “Antes de mergulhar, você imagina todo o tipo de coisa, mas a realidade é ainda mais hipnotizante — os peixes, os naufrágios… é como se tudo tivesse acabado de ganhar vida”. Todas as Mulheres do Mar são apoiadas por meio de certificação em mergulho reconhecida internacionalmente e são ensinadas a usar GPS, câmeras subaquáticas e vídeos para pesquisar as populações de peixes e corais nos recifes do Triângulo de Corais. O trabalho do grupo desde 2018 já resultou em propostas para mais de 20 novas áreas marinhas protegidas nas águas de Papua-Nova Guiné e das Ilhas Salomão.
“Os recifes de coral são um santuário para a vida marinha e sustentam a economia de diversas comunidades litorâneas", disse Inger Anderson, Diretora Executiva do PNUMA. “Os recifes de coral são vitais para o futuro do nosso planeta e o trabalho feito pelas Mulheres do Mar para proteger estes belos e diversos ecossistemas é absolutamente inspirador”.
Para Naomi Longa, líder de equipe da Mulheres do Mar na província de Papua-Nova Guiné, na Nova Bretanha Oriental, ajudar a criar reservas marinhas significa que ela não é apenas uma liderança em sua comunidade, mas também uma guia para o futuro. Como as pressões populacionais na terra aumentam a pressão sobre o mar, o programa de reservas marinhas é um investimento no bem-estar a longo prazo para as comunidades vulneráveis a tensões e impactos.
"Estamos, na verdade, conservando alimentos para gerações futuras", disse Longa. “Há espécies morrendo, portanto, essas que vivem em reservas marinhas podem ser as únicas remanescentes quando nossas gerações futuras nascerem”.
Os prêmios Campeões da Terra e Jovens Campeões da Terra do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente reconhecem indivíduos, grupos e organizações cujas ações têm um impacto transformador no meio ambiente. Entregue anualmente, o prêmio é a maior honraria ambiental da ONU.
A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou os anos de 2021 a 2030 como a Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas. Liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), com o apoio de parceiros, a Década foi concebida para prevenir, deter e reverter a perda e a degradação dos ecossistemas no mundo inteiro. O objetivo é revitalizar bilhões de hectares, cobrindo tanto ecossistemas terrestres quanto aquáticos. Um chamado global à ação, a convocação reúne apoio político, pesquisa científica e força financeiro para intensamente ampliar a restauração. Para saber mais, acesse: https://www.decadeonrestoration.org/pt-br/