Nascida na floresta amazônica, Sonia Guajajara nunca imaginou que um dia faria história como a primeira mulher indígena a se tornar ministra no Brasil.
Mas foi isso que aconteceu em janeiro de 2023, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeou Guajajara como Ministra dos Povos Indígenas. Guajajara, 50 anos, é a primeira pessoa a ocupar esse cargo.
Sua notável jornada de líder ativista a ministra é considerada um marco para os povos indígenas do Brasil, dando-lhes uma voz sem precedentes na proteção da natureza e na formulação de políticas sobre seus direitos, territórios e futuro.
“Há apenas alguns anos, ninguém poderia imaginar uma ministra indígena no Brasil. Minha nomeação permite que os Povos Indígenas sonhem,” diz Guajajara ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) durante uma entrevista em seu escritório em Brasília. “Agora podemos falar por nós mesmos e nos representar. Entendemos que chegou a hora de marcar posição e fincar o pé.”
A nomeação de Guajajara é o mais recente passo em uma carreira que a viu ampliar a representação dos povos indígenas na política brasileira, supervisionar a demarcação de territórios indígenas e defender os direitos indígenas em grandes conferências , como a Conferência da ONU sobre Mudança do Clima.
Para homenagear seu ativismo, comprometimento e conquistas políticas, Guajajara foi nomeada Campeã da Terra 2024 - a maior honraria ambiental das Nações Unidas - na categoria Liderança Política. Ela é um dos seis laureados de 2024.
“Sonia Guajajara é uma pioneira dos direitos indígenas e uma guardiã imprescindível para a Amazônia”, disse Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). “Seu esforço de décadas para proteger a floresta tropical personifica a liderança ambiental em sua melhor forma e é uma inspiração para defensores do meio ambiente em todos os lugares.”
Ameaças à terra e à vida
Os povos indígenas possuem, utilizam ou gerenciam pelo menos um quarto das terras do mundo. Em áreas mantidas ou gerenciadas por comunidades indígenas, a natureza, geralmente, se deteriora menos rapidamente do que em outras terras, dizem especialistas .
Isso é vital na Amazônia - a maior floresta tropical do mundo, um sumidouro de carbono essencial e lar de quase metade da população indígena do Brasil, cerca de 867.900 pessoas.
Apesar de sua importância global como um bastião contra a crise climática e de sua importância para a vida dos povos indígenas, a Amazônia enfrenta perigos crescentes devido às mudanças climáticas, ao desmatamento, à poluição por mercúrio e aos incêndios florestais.
Embora o desmatamento na Amazônia tenha diminuído desde que Lula assumiu o cargo em 2023, os povos indígenas continuam sendo atacados por madeireiros ilegais, garimpeiros e traficantes de drogas, relata o Conselho Indigenista Missionário – Cimi.
Guajajara diz que o governo está realizando operações para “remover invasores de dentro de territórios indígenas”, como a reserva Yanomami, e que mais desintrusões estão planejadas.
A situação do povo Yanomami, que vive na maior reserva indígena do Brasil, é o exemplo mais conhecido da luta do país contra a mineração ilegal e a destruição ambiental em áreas protegidas.
“Com essas operações, queremos devolver o território aos povos indígenas para que eles possam viver com dignidade e de acordo com seus próprios costumes”, explica Guajajara.
O Brasil reconheceu 13 territórios como terras indígenas nos últimos dois anos. Guajajara diz que esse é quase o número total aprovado na década anterior.
O Ministério dos Povos Indígenas diz que mais de 520 territórios indígenas são oficialmente reconhecidos, com quase 270 outros em diferentes estágios do processo de demarcação. As terras indígenas cobrem 14% da massa terrestre do Brasil, segundo Guajajara.
Ela gostaria de ver o processo de demarcação acelerado, mas diz que enfrenta a oposição de legisladores que apoiam interesses comerciais e consideram as áreas indígenas protegidas “improdutivas e não lucrativas”.
“Precisamos ser mais valorizados como povos indígenas”, diz ela. “Quando os direitos indígenas estão em risco, não é apenas a biodiversidade e o meio ambiente que estão ameaçados, mas também a humanidade.”
Inspiração e influência
Guajajara trabalhou como professora e enfermeira antes de se dedicar totalmente ao ativismo no início dos anos 2000, ocupando cargos importantes em organizações como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Nesses cargos, Guajajara diz que procurou não apenas aumentar a conscientização sobre as questões indígenas e influenciar as políticas, mas também criar alianças e treinar outros líderes indígenas.
“Agora, as pessoas me veem não apenas como uma ministra dos povos indígenas do Brasil, mas como uma ministra dos povos indígenas do mundo”, diz Guajajara.
Em 2018, ela se tornou a primeira pessoa indígena a aparecer em uma chapa presidencial. Embora essa candidatura não tenha sido bem-sucedida, em 2022, Guajajara foi uma das duas mulheres indígenas eleitas para o Congresso Nacional como parte da Bancada do Cocar, que trabalha para promover os direitos indígenas.
Como ministra, ela está se esforçando para aumentar a participação indígena na política, implementar políticas voltadas para os indígenas e proteger a biodiversidade diante da crise climática e da extração ilegal de madeira e mineração.
Na Amazônia e em todo o Brasil, os povos indígenas estão lidando com graves ameaças, como secas, incêndios florestais e desnutrição. Eles também estão sujeitos à violência, intimidação, criminalização e assassinato por protegerem suas terras e o meio ambiente, afirma o relator especial da ONU sobre tóxicos e direitos humanos.
A prioridade de Guajajara como ministra é estabelecer mais territórios como terras indígenas, o que garante proteções legais de acordo com a constituição brasileira.
“Demarcar territórios indígenas e respeitar os direitos é fundamental para combater a crise climática”, diz Guajajara. “Os povos indígenas são os maiores guardiões do planeta; somos as barreiras que impedem uma destruição maior.”
Guajajara já está de olho na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP30) do próximo ano, na cidade brasileira de Belém. É a primeira vez que uma COP será realizada na Amazônia e Guajajara está focada em garantir que os delegados indígenas não sejam apenas ouvidos, mas incluídos na tomada de decisões.
“Devemos continuar a comunicar a importância dos povos e territórios indígenas - para o Brasil, para o mundo, para o clima”, diz ela.