Hoje, um grande incêndio na França destruiu milhares de hectares de mata e forçou muitas pessoas a fugirem de suas casas. Enquanto isso, o tempo seco, o calor extremo e os ventos fortes se combinaram para disseminar incêndios florestais pela a Europa, Estados Unidos e em outras partes do mundo nas últimas semanas.
Incêndios florestais extremos são devastadores para as pessoas, a biodiversidade e os ecossistemas. Também exacerbam a mudança climática, contribuindo significativamente para as emissões de gases de efeito estufa.
Embora a Europa e a América do Norte se encontrem agora na crista da onda, no início deste ano, grandes partes do Chile e da Argentina foram engolidas pelas chamas. Isso inclui vastas extensões de turfeiras, importantes armazéns de carbono que, quando liberados, alimentam o aquecimento do planeta.
Pedimos a Jacqueline Alvarez, Diretora Regional para a América Latina e o Caribe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que nos falasse mais sobre os propulsores dos incêndios nas turfeiras e o que pode ser feito para limitar sua propagação no próximo ano.
Um relatório recente do do PNUMA e da GRID-Arendal, Fogo Sem Controle: a crescente ameaça de incêndios atípicos em ambientes selvagens, conclui que o aquecimento global e as mudanças no uso da terra, tais como o desmatamento, estão piorando os incêndios florestais. Esses problemas estão contribuindo para os incêndios na Argentina e no Chile?
Jacqueline Alvarez (JA): Sim. A mudança do clima criou uma realidade preocupante, mas não devemos subestimar o fato de que a maioria dos incêndios florestais são provocados por pessoas. Além das causas naturais, há evidências de que tais incêndios estão sendo intencionalmente ateados para desmatar e desobstruir terras para fins especulativos. Na Argentina, o Serviço Nacional de Gestão de Incêndios mostra em seus relatórios diários que, desde agosto de 2021, 95% dos incêndios são devidos à intervenção humana.
Porém, é certo que o aquecimento global está elevando a vulnerabilidade das turfeiras ao fogo, o que é problemático já que quando as turfeiras queimam, elas emitem mais dióxido de carbono do que inúmeros outros ecossistemas e além disso, podem ser extremamente difíceis de extinguir. As mudanças no uso da terra devido à atividade humana também têm impactos profundos sobre as turfeiras, aumentando sua vulnerabilidade a incêndios mais frequentes e intensos.
Quais são as áreas de maior risco no Chile?
JA: Áreas onde populações humanas e ecossistemas vegetais coexistem são aquelas com maior risco de incêndios florestais. Cerca de 60% dos incêndios estão nessas áreas, principalmente no centro do Chile ao redor de Valparaíso e La Araucanía, que compõem cerca de 5% do território nacional, mas acomodam cerca de 80% da população. Por este motivo, estas são áreas prioritárias ao estabelecer estratégias para o controle e concepção de cenários menos arriscados. De 2010 a 2020, a zona centro-sul do Chile, que abriga grande parte das turfeiras do Chile, passou por uma seca grave que teve um forte impacto sobre o regime de incêndios florestais secando a biomassa e os solos turfosos.
No começo do ano, os incêndios nas turfeiras na região de Tierra del Fuego do Chile queimaram por mais de um mês e destruíram 1.200 hectares de mata nativa. As chamas mataram plantas e animais, lançando carbono para o ar. Tem sido sugerido que medidas mais rápidas no nível central poderiam ter impedido que o fogo atingisse tal escala. O que você acha que a América Latina e o Caribe podem fazer como região para incentivar respostas mais rápidas e coordenadas aos incêndios florestais?
JA: Para termos uma abordagem coordenada é necessário um trabalho planejado, contínuo, sistemático e conjunto, com foco especial nas comunidades diretamente expostas a esta ameaça. Neste contexto, a prevenção de incêndios florestais deve ser dirigida à população que vive em áreas de risco. Entretanto, é necessário um financiamento apropriado para tais esforços. Uma resposta eficaz ao fogo também requer uma compreensão do ecossistema em questão, sua vulnerabilidade ou adaptação ao fogo, a quantidade de combustível disponível, os bens, infraestrutura e vidas em risco, além da probabilidade de um foco de incêndio se tornar incontrolável. É importante promover redes locais de colaboração, especialmente entre países com ecossistemas e ameaças similares.
Que tipo de proteção jurídica as turfeiras têm na Argentina, no Chile e no Peru?
JA: Não há proteção jurídica específica para turfeiras nesses países. No caso do Peru, que possui turfeiras extensas, um importante avanço foi feito dentro de um decreto recente sobre a proteção das turfeiras, onde se faz menção especial às mesmas, proibindo a extração de turfa para fins comerciais. No Chile existe um projeto de lei sobre turfeiras que proíbe a extração de pompón, o nome chileno para o musgo esfagno, atualmente em fase final de aprovação. Em julho de 2021, os legisladores da Argentina começaram a debater a criação de uma lei para regulamentar intervenções humanas em áreas úmidas. Na América do Sul, há uma necessidade urgente de que os países promulguem leis fortes e dedicadas à proteção ambiental das zonas úmidas.
Quais são as principais lacunas de conhecimento a serem preenchidas para melhor fundamentar o processo de elaboração de políticas?
JA: Um dos problemas é que muitos legisladores desconhecem os benefícios socioeconômicos significativos que as turfeiras oferecem. Elas são um hábitat para muitas espécies únicas e ameaçadas, regulam os ciclos da água, controlam a poluição e os sedimentos, servem como fonte de água e produtos colhidos localmente, e são uma inspiração para a arte, religião e valores culturais. A falta de informação significa que as decisões políticas sobre o uso da terra estão levando à degradação e conversão destes ecossistemas com alto teor de carbono. As turfeiras precisam ser reconhecidas em todos os níveis de governança como um ecossistema de alta prioridade para ação urgente dos legisladores, uma vez que beneficiam o clima, as pessoas e a biodiversidade.
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Em fevereiro de 2021, a América Latina e o Caribe lançaram um Plano de Ação para a Década da Restauração de Ecossistemas.
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