Dirija pelas estradas empoeiradas do distrito rural de Mount Airy, na Jamaica, e verá dezenas de tanques de água escura, muitos ligados com canos de drenagem aos telhados das casas vizinhas.
Os tanques medem dois metros de altura. Eles coletam a água da chuva e, por meio de um sistema de irrigação por gotejamento, canalizam-na para campos próximos repletos de tomates, pimentões e batatas-doce.
Em uma área cada vez mais afetada pela seca, a qual tem sido associada às mudanças climáticas, esses tanques se tornaram uma tábua de salvação para os agricultores locais.
"Todo mundo que conheço enfrenta o mesmo desafio de chuva reduzida e chuvas menos previsíveis", diz a agricultora Althea Spencer. Ter o sistema de coleta de água da chuva instalado "é muito bom", acrescenta.
O trabalho de Mount Airy é apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). É parte de um esforço de comunidades em todo o mundo para gerenciar a água da forma mais sustentável possível e encontrar novas fontes de água, uma busca que envolveu tudo, desde a purificação de esgoto até a semeadura de nuvens. Esses esforços estão sendo impulsionados pelo que especialistas dizem ser uma iminente crise hídrica global, fomentada, em parte, pelas mudanças climáticas, o que pode deixar dois terços da humanidade enfrentando estresse hídrico até o próximo ano.
"A escassez de água se tornou uma questão crítica para um número cada vez maior de países", diz Letícia Carvalho, coordenadora do setor de Água Doce e Marinha do PNUMA. "Os países em todo o mundo precisarão ser mais criativos na maneira como gerenciam, conservam e protegem as fontes de água nos próximos anos. Usar fontes de água não convencionais com sabedoria e em harmonia com a natureza será essencial para o progresso acelerado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável."
Espera-se que a segurança hídrica esteja na agenda quando os líderes se reunirem em Nairóbi, no Quênia, no próximo mês, para a sexta sessão da Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, o órgão de tomada de decisão de mais alto nível do mundo sobre questões relacionadas ao meio ambiente.
Hoje, 2,4 bilhões de pessoas vivem em países com estresse hídrico, definidos como nações que retiram 25% ou mais de seus recursos renováveis de água doce para atender à demanda de água.
As regiões mais atingidas incluem a Ásia Central e do Sul e o Norte de África, onde a situação é considerada crítica. Mesmo os países com infraestrutura altamente desenvolvida, como os Estados Unidos, estão vendo o nível da água cair para níveis recordes.
Junto das mudanças climáticas, a crise está sendo alimentada pela urbanização descontrolada, rápido crescimento populacional, poluição e desenvolvimento da terra. A escassez de água já afeta tudo, desde a segurança alimentar até a biodiversidade e, nos próximos anos, essas estão propensas a se tornarem mais comuns.
Até 2025, 1,8 bilhão de pessoas estão propensas a enfrentar o que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) chama de "escassez absoluta de água" e dois terços da população global devem estar lidando com o estresse hídrico.
Repensando as fontes de água
Historicamente, a maior parte da água potável para beber e para saneamento vem de aquíferos subterrâneos. Mas muitos estão secando devido ao uso em excesso, estações secas mais longas e seca. Esse é um fator de risco elevado para pequenos Estados insulares em desenvolvimento, em que a água potável está se tornando cada vez mais ameaçada pela salinização à medida que o nível do mar aumenta e as terras degradadas afundam.
Em uma tentativa de encontrar água, os países estão recorrendo mais a fontes não convencionais.
Em algumas áreas rurais, incluindo o Chile e o Peru, as comunidades estão coletando água suspensa no ar. Alguns desses sistemas usam uma malha fina para reter pequenas gotículas de neblina e transferi-las para um reservatório.
Muitas comunidades também estão olhando para as águas residuais como uma resposta potencial para o estresse hídrico. Um relatório do PNUMA de 2023 descobriu que poderia fornecer mais de 10 vezes a água fornecida pelas atuais usinas de dessalinização do mundo. As águas residuais também são uma fonte de energia, nutrientes e outros materiais recuperáveis, mas apenas 58% das águas residuais domésticas são tratadas com segurança em todo o mundo. As águas residuais muitas vezes não são reutilizadas devido a temores sobre contágios, microplásticos e medicamentos antimicrobianos. Mas especialistas dizem que, com as políticas e tecnologias certas, as águas residuais podem receber uma segunda vida com segurança.
Nos últimos anos, os países começaram a adotar a dessalinização, o processo de remover o sal da água salgada e filtrá-lo para produzir água potável. De acordo com um estudo da ONU de 2018, existem 15.906 usinas de dessalinização operacionais produzindo cerca de 95 milhões de metros cúbicos por dia de água dessalinizada para uso humano, dos quais 48% são produzidos na Ásia Ocidental e no Norte da África. Prevê-se que a dependência global da dessalinização cresça rapidamente nos próximos anos.
"A escassez de água se tornou uma questão crítica para um número crescente de países, particularmente no Sul Global."
Várias nações, como Bahamas, Maldivas e Malta, atendem a todas as suas necessidades de água por meio da dessalinização, e cerca de metade da água potável da Arábia Saudita vem disso. Contudo, a dessalinização requer um grande investimento em infraestrutura de tubulação e bombeamento, enquanto os combustíveis fósseis normalmente usados no processo de dessalinização com uso intensivo de energia contribuem para o aquecimento global. A salmoura tóxica da dessalinização também polui os ecossistemas costeiros.
Em sua busca por mais água, os países também estão procurando explorar a atmosfera, a qual se estima conter 13 mil quilômetros cúbicos de vapor de água. Um número crescente de países está experimentando a semeadura de nuvens, uma técnica em que as nuvens são semeadas com iodeto de prata para fazer chover ou nevar. Nações da Austrália à África do Sul investiram na tecnologia, e a China tem um dos programas mais ambiciosos do mundo. Porém, é preciso colocar grades de proteção, dizem especialistas, para evitar consequências não intencionais, como a seca em outras regiões.
Oportunidades e barreiras
Enquanto as nações buscam novas fontes de água doce, especialistas dizem que as comunidades também precisam gerenciar melhor a água que têm.
Nessa frente, a maior oportunidade está em diminuir a perda de água nos sistemas agrícolas ao investir, por exemplo, na irrigação por gotejamento. Especialistas também dizem que as cidades, que abrigam mais da metade da população mundial, devem fazer um trabalho melhor para conter as perdas de água, inclusive de tubulações com vazamento. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 3,7 trilhões de litros de água são perdidos anualmente devido a problemas no encanamento doméstico.
"Usar nossos recursos hídricos existentes de forma muito mais eficiente, ao mesmo tempo em que se exploram fontes de água não convencionais, tem um enorme potencial para melhorar vidas e meios de subsistência", disse Carvalho, do PNUMA. Os formuladores de políticas em países com escassez de água precisam "repensar radicalmente" suas políticas de planejamento hídrico, adicionando fontes não convencionais de água à mistura, acrescentou. "Para que isso aconteça rapidamente, é urgente o apoio financeiro internacional, juntamente à ciência, para orientar a sustentabilidade de várias abordagens", disse.
Para mais informações, por favor entre em contato com Lis Mullin Bernhardt no email lis.bernhardt@un.org ou Alex Pires em alex.pires@un.org
A sexta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-6) será realizada de 26 de fevereiro a 1º de março de 2024 na sede do PNUMA em Nairóbi, no Quênia, sob o tema: Ações multilaterais eficazes, inclusivas e sustentáveis para combater as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição. Por meio de suas resoluções e chamadas à ação, a Assembleia fornece liderança e catalisa a ação intergovernamental sobre o meio ambiente.