O tigre que saltou sobre Bhadai Tharu nas florestas do Nepal tirou a visão de seu olho esquerdo com apenas uma patada. Mas também ajudou o líder comunitário a entender que as pessoas devem preservar a natureza enquanto buscam o desenvolvimento econômico.
“O tigre me atacou porque eu fui até a casa dele. Caso contrário, ele nunca ataca humanos”, diz Tharu, que lidera patrulhas contra a caça ilegal em uma floresta na região de Terai, um reduto de grandes felinos nos pés do Himalaia.
Terai é rico em vida selvagem. Mas também é o lar de quase 8 milhões de pessoas que dependem de suas florestas para tudo, desde madeira até medicamentos, e que desmataram grandes áreas para agricultura. Isso levou à degradação ambiental e colocou rinocerontes e elefantes, assim como tigres, na lista de espécies ameaçadas de extinção.
Porém, nos últimos anos, essas pressões diminuíram com a iniciativa Paisagem do Arco de Terai. Esse esforço liderado pelo governo está ajudando a proteger e restaurar as florestas do Terai, revertendo a perda da rica biodiversidade do Nepal e aumentando os benefícios dos ecossistemas intactos para a população da região.
Lançada em 2001, a iniciativa garantiu habitat para espécies ameaçadas, incluindo o rinoceronte-indiano, o elefante-asiático e o tigre-de-bengala. Um elemento-chave é a restauração de sete corredores para conectar áreas mais estritamente protegidas, incluindo refúgios de vida selvagem na vizinha Índia.
O programa dos corredores, com suas medidas para reduzir o conflito entre humanos e vida selvagem e apoiar as economias rurais, foi recentemente reconhecido como uma Iniciativa de Referência da Restauração Mundial das Nações Unidas. Apresentada como parte da Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas, o prêmio destaca iniciativas excepcionais para restaurar ecossistemas para o bem das pessoas e da vida selvagem.
“A transfronteiriça Paisagem do Arco Terai serve não apenas como um hotspot biológico. Serve também como uma prova verdadeira da eficácia da abordagem de conservação baseada em paisagens”, diz Birendra Prasad Mahato, Ministro de Florestas e Meio Ambiente do Nepal. “Estamos extremamente gratos por esse reconhecimento da ONU e nos sentimos encorajados a continuar superando os desafios existentes e novos por nossas florestas, vida selvagem e comunidades.”
Hotspot do Himalaia
A iniciativa Paisagem do Arco de Terai está revitalizando um hotspot de biodiversidade que cobre 2,47 milhões de hectares e abriga 7,5 milhões de pessoas. Muitas de suas áreas rurais, especialmente aquelas fora dos parques nacionais do Nepal, tinham sido gravemente degradadas devido ao desmatamento, fragmentação, invasão e caça ilegal.
Somente nos corredores entre as áreas protegidas, cerca de 65.000 hectares de terras degradadas foram reflorestados, o que corresponde a 13 vezes o tamanho da capital nepalesa, Katmandu. Cerca de 40.000 membros da comunidade local se uniram ao governo e a grupos da sociedade civil para realizar atividades que incluem patrulhas contra a caça ilegal, monitoramento da vida selvagem e ecoturismo. Cerca de 500.000 famílias se beneficiaram com o projeto.
A natureza se recuperou rapidamente, capturando carbono, armazenando água e aumentando a resiliência das populações humanas e de vida selvagem frente às mudanças climáticas. Armadilhas fotográficas e rádios ajudaram a detectar tigres, elefantes, rinocerontes, leopardos, hienas e muitas outras espécies que transitam entre áreas protegidas anteriormente estavam isoladas. Esses movimentos estão ajudando a manter a diversidade genética e reduzir o risco de extinção. A população de tigres do Nepal triplicou, passando de 121 em 2009 para 355 em 2022, de acordo com o mais recente levantamento nacional.
“A iniciativa Paisagem do Arco de Terai não protege a natureza afastando as pessoas dela, mas aproximando as pessoas e a natureza,” diz Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Apoio da Comunidade
Um bom exemplo do esforço de restauração é o Corredor Khata, um mosaico de 200 hectares de florestas, pastagens, vilarejos e terras agrícolas que conecta o Parque Nacional de Bardia, no oeste do Nepal, ao Santuário de Vida Selvagem de Katarniaghat, na Índia.
As autoridades tiveram que conquistar as comunidades que dependiam dos recursos naturais da área, algumas das quais eram céticas em relação à restauração. Eles fizeram isso, em parte, desenvolvendo fontes de energia alternativas, como biogás, para reduzir a dependência da lenha. As equipes também apoiaram novas atividades econômicas, incluindo hospedagens em casas de família para turistas e fabricação de móveis sustentáveis.
À medida que a pressão sobre a terra diminuiu, as atividades de restauração começaram. Viveiros de árvores forneceram mudas para o reflorestamento de um número crescente de florestas comunitárias, e a pastagem de gado foi regulamentada para que a floresta possa se recuperar naturalmente. Como resultado, a cobertura florestal no corredor aumentou de apenas 1 quilômetro quadrado para cerca de 100 quilômetros quadrados em apenas duas décadas.
“Acho que esse foi o desafio, mostrar se podemos fazer essas abordagens integradas juntos, nas quais as pessoas veem suas vidas sendo melhoradas devido à conservação” diz Ghana S. Gurung, diretor nacional do WWF Nepal, parceiro-chave na iniciativa da paisagem."
Equilibrar as necessidades de conservação com as das comunidades locais é um objetivo do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, um marco global para deter e reverter a perda da natureza até 2030. Entre seus quatro objetivos e 23 metas estão a Meta 2, que visa restaurar 30% de todos os ecossistemas degradados, e a Meta 10, que busca garantir o manejo sustentável das áreas de agricultura, aquicultura, pesca e silvicultura. A Iniciativa Paisagem do Arco do Terai demonstra como a cooperação entre governos, parceiros e comunidades locais está ajudando o mundo a alcançar as metas do plano.
O sucesso também gerou desafios. Cercas são necessárias para impedir que grandes mamíferos entrem nas aldeias ou comam as plantações. Alguns agricultores também mudaram para produtos menos palatáveis, como camomila ou hortelã.
Prevenir o conflito entre humanos e vida selvagem também significa tomar medidas preventivas para reduzir os riscos. Em uma recente patrulha florestal para deter caçadores ilegais e monitorar a vida selvagem, Tharu levantou seu bastão para apontar marcas de garras no alto de um tronco de árvore.
"Ao ver isso, todos devem saber que este é o território do tigre", ele instruiu seus colegas guardas vestidos de caqui. "Portanto, durante a patrulha, precisamos ser cuidadosos. Podemos contar aos outros que um tigre passou por aqui e dizer a eles para serem cautelosos."
Com o seu reconhecimento como uma Iniciativa de Referência da Restauração Mundial das Nações Unidas, a Paisagem do Arco do Terai será agora elegível para receber apoio técnico e financeiro da ONU. Com assistência adicional, a iniciativa espera restaurar uma área de quase 350.000 hectares até 2030.
"Fizemos história na conservação dos rinocerontes (e) quase triplicamos o número de tigres", diz Gurung, do WWF. "Como isso foi possível em meio a um mar de população humana, ao mar de desenvolvimento - isso é algo único que o Nepal conseguiu entregar."
O planeta está passando por um perigoso declínio da natureza. Um milhão de espécies estão ameaçadas de extinção, os solos estão se tornando inférteis e as fontes de água estão secando. O Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal estabelece metas globais para conter e reverter a perda da natureza até 2030. Ele foi adotado pelos líderes mundiais em dezembro de 2022. Para enfrentar as causas da crise da natureza, o PNUMA está trabalhando com parceiros para atuar em paisagens terrestres e marinhas, transformar nossos sistemas alimentares e acabar com a falta de recursos financeiros para a natureza.
A Assembleia Geral da ONU declarou o período de 2021–2030 como a Década da ONU para a Restauração de Ecossistemas. Liderada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura, juntamente com o apoio de parceiros, a iniciativa tem como objetivo prevenir, conter e reverter a perda e degradação de ecossistemas em todo o mundo. Ela visa revitalizar bilhões de hectares, abrangendo ecossistemas terrestres e aquáticos. Uma chamada global para ação, a Década da ONU reúne apoio político, pesquisa científica e recursos financeiros para ampliar massivamente a restauração.