Juntamente com o zumbido do tráfego, a trilha sonora da maioria das cidades inclui o barulho dos trabalhadores da construção civil perfurando, martelando e cavando enquanto erguem furiosamente novas construções.
De fato, a cada cinco dias, o mundo acrescenta estruturas equivalentes ao tamanho de Paris. No entanto, a maneira como a humanidade constrói e opera edificações é insustentável, dizem especialistas.
Em 2022, as emissões de dióxido de carbono relacionadas à energia provenientes de operações e construções de edificações atingiram um novo recorde, chegando a 10 gigatoneladas, de acordo com um relatório recente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Isso representa 37% das emissões globais de dióxido de carbono.
“Reduzir a pegada de carbono de nossas casas, escritórios e outras edificações será essencial para cumprir as metas do Acordo de Paris e evitar uma catástrofe climática”, disse Ruth Coutto, chefe interina de Mitigação Climática do PNUMA. Ela acrescentou que a redução das emissões das construções deve fazer parte de um esforço global maior e mais ambicioso para combater as mudanças climáticas.
Aqui está uma análise mais detalhada de como as edificações estão alimentando a crise climática e como torná-las mais ecológicos.
Qual é a relação entre as construções e as mudanças climáticas?
O ambiente construído - o local onde as pessoas vivem, dormem, trabalham e se divertem - é uma importante fonte de dióxido de carbono. Esse gás de efeito estufa retém o calor próximo à superfície da Terra, aquecendo o planeta e impulsionando as mudanças climáticas.
Por que as edificações são uma fonte tão importante de emissões de dióxido de carbono?
Há dois motivos. Em primeiro lugar, as edificações usam grandes quantidades de energia para aquecimento, resfriamento e iluminação. Em 2022, o setor de construções foi responsável por 34% do consumo mundial de energia, segundo o Relatório de Status Global para Edificações e Construção do PNUMA. Em muitos países, a energia é gerada principalmente a partir de combustíveis fósseis - como carvão e petróleo - que liberam dióxido de carbono quando queimados. Isso é conhecido como carbono operacional.
Em segundo lugar, as edificações estão cheias de aço, cimento, alumínio e vidro, que requerem muita energia para serem fabricados, transportados e instalados, gerando novamente emissões de dióxido de carbono. Isso é conhecido como carbono incorporado.
Estamos no caminho certo para descarbonizar o setor de construção?
Não. As emissões globais do setor de construção ainda estão subindo, aumentando 1% entre 2021 e 2022, segundo o Relatório de Status Global para Edificações e Construção. Embora isso possa não parecer muito, é equivalente a colocar 10 milhões de carros às estradas do mundo. O relatório conclui que o setor continua fora do caminho para alcançar a descarbonização até 2050. Em 2022, apenas 6% da energia usada em edificações era proveniente de fontes renováveis. Isso está muito longe da meta de 18% até 2030 prevista pela Agência Internacional de Energia.
Quão urgente é a necessidade de tornar as edificações mais ecológicas?
Muito urgente. Metade das edificações que existirão até 2050 ainda não foi construída.
A menos que o mundo mude a forma como as edificações são construídas e usadas, haverá pouca chance de lidar de forma significativa com as mudanças climáticas, o que levará, entre outras coisas, a eventos climáticos mais extremos. Isso é algo que o planeta não pode se permitir. É por isso que edificações resilientes e com emissão quase zero precisam ser o novo normal até 2030. Esse é um dos principais objetivos do Buildings Breakthrough (Avanços no Setor de Construção), um esforço internacional liderado pela França e pelo Marrocos e coordenado pela Aliança Global para Edifícios e Construção (GlobalABC), sediada pelo PNUMA.
O que pode ser feito para reduzir as emissões do setor de construção?
A humanidade precisa reduzir as emissões operacionais e incorporadas de suas edificações. Para reduzir as emissões operacionais de carbono, as edificações devem se tornar mais eficientes, reduzindo a quantidade de energia que usam para coisas como aquecimento e resfriamento. Isso pode ser feito por meio da adoção de padrões mais altos de desempenho energético para novas construções, da modernização de edificações existentes, do uso de aparelhos mais eficientes, de um melhor planejamento energético e da integração de sistemas. O uso de energia renovável para alimentar os edifícios também deve ser aumentado.
Isso exigirá mais investimentos?
Sim. A humanidade precisará aumentar os gastos para tornar suas edificações favoráveis ao clima. Os investimentos na descarbonização de estruturas atingiram US$ 285 bilhões, de acordo com o Relatório de Status Global para Edificações e Construção. Mas esse número ficou aquém das metas para 2030 e 2050. Para piorar a situação, a previsão é que os investimentos tenham caído ligeiramente em 2023.
Como o mundo pode reduzir as emissões incorporadas?
Um relatório apoiado pelo PNUMA, Materiais de construção e clima, apresenta uma solução em três frentes: evitar, mudar e melhorar. Primeiro, as emissões de carbono incorporadas podem ser evitadas construindo com menos materiais, reutilizando componentes de construção e reaproveitando edificações existentes como parte de uma abordagem mais circular da construção. Em segundo lugar, é importante mudar para materiais de construção de base biológica mais renováveis e de origem sustentável, como madeira e bambu. Terceiro, a humanidade deve melhorar e reduzir a pegada de carbono dos materiais convencionais, incluindo concreto, aço e alumínio. Isso pode ser feito, por exemplo, com o uso de energia renovável no processo de fabricação.
Todas essas medidas combinadas podem ajudar a colocar o mundo no caminho das emissões líquidas zero de carbono no setor de edificações e construções até 2050.
O que os governos podem fazer agora mesmo para reduzir a pegada de carbono de edificações?
Várias coisas. Em primeiro lugar, os governos podem desenvolver e aplicar roteiros de ação climática para edificações e construções. Cerca de 161 nações ainda não fizeram isso. Os governos podem garantir que os códigos de energia dos edifícios estejam alinhados com os princípios de construção com emissões zero. Eles podem incentivar investimentos na descarbonização de edificações e desenvolver políticas para reduzir o carbono incorporado por meio de práticas e materiais sustentáveis. Também podem promover a modernização de construções antigas para reduzir o consumo de energia.
Os países também podem aderir ao Buildings Breakthrough, lançado no ano passado na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, e endossar a Declaração de Chaillot, apresentada no Fórum Global de Construção e Clima, para impulsionar a cooperação internacional. A implementação dos compromissos estabelecidos nesses marcos pode ajudar os países a alcançar a transição sustentável do setor de construções e, mais amplamente, as metas do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
A próxima rodada de compromissos climáticos em nível nacional, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas, também oferece aos líderes a oportunidade de desenvolver metas claras para o setor de construções.
O PNUMA está na vanguarda do apoio à meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C e almejar 1,5°C, em comparação com os níveis pré-industriais. Para isso, o PNUMA desenvolveu a Solução Setorial, um roteiro para reduzir as emissões em todos os setores, de acordo com os compromissos do Acordo de Paris e em busca da estabilidade climática. Os seis setores identificados são: energia; indústria; agricultura e alimentos; florestas e uso da terra; transporte; e construções e cidades.