Medicamentos antimicrobianos, como antibióticos, salvaram a vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Porém, os próprios medicamentos que tanto contribuíram para a saúde humana e a prosperidade correm o risco de se tornar uma ameaça à saúde pública global devido ao aumento da resistência antimicrobiana.
A resistência antimicrobiana ocorre quando, com o tempo, bactérias, vírus, fungos e parasitas se adaptam e se tornam resistentes aos medicamentos que são usados para os combater. Como resultado, os antibióticos e outros medicamentos antimicrobianos se tornam ineficazes e as infecções se tornam cada vez mais difíceis - senão impossíveis de tratar.
Ainda mais alarmante é a rápida disseminação de bactérias multi e pan-resistentes, ou superbactérias, que causam infecções que não são tratáveis com os medicamentos antimicrobianos atualmente disponíveis. Ao mesmo tempo em que a resistência antimicrobiana está se espalhando, o desenvolvimento de novos e inovadores antimicrobianos não acompanhou esse ritmo.
"A resistência antimicrobiana não tem limites. Pode acontecer com qualquer pessoa, em qualquer lugar", disse Aitziber Echeverria, oficial de Gestão de Programas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Assassino silencioso
De acordo com uma análise sistemática publicada este ano, só em 2019, estima-se que 1,3 milhão de mortes foram diretamente atribuídas à resistência antimicrobiana, a maioria na África Subsaariana e na Ásia.
O uso excessivo e indevido de antimicrobianos em humanos e animais é a principal causa da resistência antimicrobiana. A exposição humana à resistência antimicrobiana pode ocorrer por meio do consumo regular de alimentos contaminados por microrganismos de resistência antimicrobiana.
A poluição química e biológica causada pela produção intensiva de culturas, saneamento precário, sistemas de esgoto inadequados, produção farmacêutica e hospitais é outra fonte significativa de resistência antimicrobiana.
A crise climática também está exacerbando a resistência antimicrobiana. Eventos extremos, como inundações e aumento das temperaturas, ajudam a proliferar micróbios no meio ambiente, enquanto a perda de biodiversidade diminui a riqueza de espécies de plantas que podem um dia nos dar um próximo grande remédio.
A resistência a medicamentos na tuberculose micobacteriana, parasitas da malária, vírus e HIV estão todos se tornando uma realidade que pode aumentar o sofrimento humano. Pesquisas mostram que eles também podem causar um grande golpe na economia mundial devido a perdas de produtividade, aumento dos custos de saúde e aumento da pobreza, já que a resistência antimicrobiana afeta desproporcionalmente países de baixa e média renda.
De acordo com o Banco Mundial, até o ano de 2050, o Produto Interno Bruto global pode cair até 4%, e o setor pecuário, uma importante fonte de atividade econômica, pode encolher até 11%, levando 28 milhões de pessoas à pobreza extrema em todo o mundo. 93% disso pode ocorrer em países em desenvolvimento se os níveis atuais de resistência antimicrobiana permanecerem sem controle.
Apesar da ameaça da resistência antimicrobiana à saúde humana e à economia global, ela é frequentemente negligenciada. Essa é uma das razões pelas quais o PNUMA está trabalhando com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial da Saúde Animal (WOAH) na inovadora Colaboração Quadripartite para a One Health, que visa equilibrar e otimizar a saúde das pessoas, dos animais, dos ecossistemas e do meio ambiente em geral.
A Semana Mundial de Conscientização sobre Resistência Antimicrobiana, de 18 a 24 de novembro, foi criada para aumentar a conscientização sobre esses desafios.
Um planeta
"Quando você pensa em resistência antimicrobiana, você tem que pensar em todas as interconexões complexas entre o meio ambiente, as plantas, os animais e os seres humanos", disse Echeverria.
Para Echeverria, o fato de a resistência antimicrobiana ser tão multifacetada, e as dimensões ambientais dela tão complexas, torna a busca de soluções uma tarefa desafiadora. Contudo, essa interconexão também pode ser um grande benefício. "Todos nós compartilhamos um planeta. Cuidando, prevenindo e manejando adequadamente uma área, podemos ver os benefícios em outra", ela disse.
A resistência antimicrobiana não pode ser abordada separadamente da tripla crise planetária das mudanças climáticas, da perda da natureza e da biodiversidade, e da poluição e dos resíduos, todos impulsionados por padrões de consumo e produção insustentáveis.
A abordagem One Health diz respeito às conexões entre vários setores: humano, animal, vegetal, produção de alimentos e meio ambiente. Por exemplo, a redução da produção insustentável, especialmente na pecuária e na agricultura, ajudará a reduzir o desmatamento e a perda de biodiversidade, limitando, assim, o impacto das mudanças climáticas. Similarmente, a redução da poluição ambiental reduzirá a propagação de agentes antimicrobianos.
O meio ambiente é a interseção em que os principais impulsionadores da resistência antimicrobiana se encontram. Especialistas dizem que enfrentá-la requer uma resposta conjunta da One Health em níveis global, regional e nacional. A implementação por país está, nomeadamente, no centro de uma resposta bem-sucedida à resistência antimicrobiana, uma vez que é nos países que o trabalho de resposta aos muitos desafios da resistência antimicrobiana acontece.
É por isso que o PNUMA também está trabalhando com países específicos para combater a resistência antimicrobiana. Na Índia, por exemplo, o PNUMA e a OMS estão apoiando o governo na preparação do novo Plano de Ação Nacional sobre resistência antimicrobiana, desenvolvendo um relatório de última geração sobre resistência antimicrobiana e meio ambiente e materiais de conscientização.
Em 2021, o PNUMA se tornou cossignatário do Fundo Fiduciário Multiparceiros para a Resistência Antimicrobiana. O fundo fiduciário catalisa ações para apoiar a implementação de planos de ação nacionais de resistência antimicrobiana, incluindo o fortalecimento das dimensões ambientais.
A próxima geração
Assim como a crise climática, as pessoas que serão mais impactadas pela resistência antimicrobiana são os jovens, que terão mais a perder se os antimicrobianos atuais deixarem de funcionar.
Para Hera Ali, farmacêutica antimicrobiana no Reino Unido, a conscientização e a educação são fundamentais. Ali está trabalhando para que mais jovens, especialmente aqueles na área da saúde, tornem-se administradores de antimicrobianos e participem de campanhas educativas, especialmente em comunidades carentes, para os ajudar a entender o uso correto e o descarte de antimicrobianos.
"Muitas pessoas nem sabem o que é resistência antimicrobiana e os danos causados pelo uso indevido de antimicrobianos, especialmente antibióticos", disse ela.
Sobre a Semana RAM
A Semana Mundial de Conscientização Antimicrobiana é uma campanha global que é celebrada anualmente para melhorar a conscientização e a compreensão da RAM e incentivar as melhores práticas entre o público, as partes interessadas da One Health e os formuladores de políticas, que desempenham um papel crítico na redução do surgimento e da disseminação da RAM. O tema global da 4ª Semana Mundial da RAM é "Prevenir a resistência antimicrobiana em conjunto" - mantendo o objetivo de abordar a RAM de forma coordenada, multissetorial, multidisciplinar e inclusiva.