É quase meia-noite de um domingo e o céu de Lagos, na Nigéria, fica escuro sob as luzes brilhantes dos 17,5 milhões de habitantes. Uma dessas luzes é um pequeno incêndio em um campo em Ikeja, capital do estado, onde John, de 24 anos, está de pé, jogando cabos nas chamas.
“Venho a este lugar há quase seis anos, gosto porque quando estou aqui ninguém me perturba”, diz John. Ele é uma das centenas de catadores informais que vivem recolhendo materiais recicláveis no lixão de Odo-Iyalaro, que abriga um próspero mercado informal de lixo eletrônico.
A lei nigeriana proíbe a queima de cabos plásticos, bem como a lixiviação ácida e outros métodos comuns usados por John e seus colegas catadores para recuperar metais valiosos de eletrônicos descartados. Mas a pouca fiscalização e a baixa conscientização sobre os riscos da prática faz com que a maioria dos catadores continue regularmente se expondo a toxinas que causam problemas respiratórios e dermatológicos, infecções oculares, problemas de desenvolvimento neurológico e, em última análise, vidas mais curtas.
Restrito, mas em ascensão
Apesar de acordos internacionais como a Convenção de Basileia proibirem a importação de resíduos perigosos, importadores inescrupulosos e um sistema alfandegário poroso faz com que a Nigéria se posicione ao lado de Gana como um dos principais destinos mundiais de lixo eletrônico. O país recebe anualmente 71 mil toneladas de bens de consumo usados em dois de seus principais portos. Os produtos vêm de países da União Europeia e de outras economias mais industrializadas.
“Alguns dos resíduos eletrônicos vindos do exterior são compostos por TVs de raios catódicos, que contêm chumbo, assim como geladeiras e aparelhos de ar-condicionado contendo hidroclorofluorcarbonos, o que o torna uma ameaça para aqueles que estão desmantelando e manuseando esses produtos”, disse a oficial de programa da ONU Meio Ambiente, Eloise Touni. Os componentes de plástico, incluindo revestimentos e cabos rígidos, também contêm poluentes orgânicos persistentes usados como retardadores de chama, como éteres difenílicos polibromados (PBDE). Estas substâncias foram proibidas pela Convenção de Estocolmo devido a seus impactos globais de longa duração e são regularmente detectadas em ecossistemas e pessoas em todo o mundo, inclusive nas regiões selvagens do Ártico e em seus habitantes tradicionais.
Em parceria com a Agência Nacional de Normas Ambientais e Regulamentação da Nigéria, Touni coordena um projeto de Abordagem de Economia Circular para o Lixo Eletrônico na Nigéria, uma ambiciosa iniciativa multimilionária de três anos com o objetivo de ver o país adotar uma abordagem de economia circular financeiramente auto-sustentável para o setor.
Jornada do lixo eletrônico
“A Nigéria é um destino atraente para os exportadores de resíduos, em parte devido à aplicação limitada de restrições à importação e outros regulamentos”, declarou Touni.
Muitas vezes escondidos ou falsamente declarados, os resíduos eletrônicos entram na Nigéria através de dois portos em Lagos e por rotas terrestres de países vizinhos antes de encontrar o caminho para locais como Olusosun, o maior lixão do país. Com 100 acres cheios todos os dias por 10 mil toneladas de lixo, incluindo lixo eletrônico, Olusosun é local de trabalho dos catadores, em busca de materiais que podem ser quebrados e vendidos no mercado informal.
A apenas alguns quilômetros de distância, em Odo-Iyalaro, catadores vendem 1 kg de alumínio por 220 nairas (0,61 dólar), 1 kg de latão por 700 nairas (1,94 dólar) e 1 kg de cobre por 1.500 nairas (4,17 dólares).
“Eu gostaria de fazer outra coisa, mas eu posso alimentar minha família com este trabalho”, disse Malaiah, mãe de quatro filhos, enquanto se agacha sobre um velho computador, quebrando-o com um pequeno martelo para extrair o maior volume de metal possível. “Eu recebo 10 mil nairas por semana. Meus filhos estão todos na escola, o mais velho está na universidade.”
Touni diz que, como os catadores trabalham individualmente, diretamente nos lixões, eles podem minar as limitadas operações formais de reciclagem existentes no país. Mas sua vantagem competitiva tem um custo pessoal — lesões frequentes, exposição diária a substâncias tóxicas de vazamentos e emissões de resíduos dos produtos quebrados à mão.
Juntamente com as matérias-primas que vendem em mercados como Odo-Iyalaro, os catadores também vendem componentes mais valiosos para recicladores informais, cujas lojas estão localizadas em Computer Village, o maior mercado de acessórios de tecnologia da África. Nos quartos sufocantes localizados em ruas caóticas, engenheiros consertam computadores, telefones celulares e telas usando as peças fornecidas pelos catadores, antes de vender os produtos a clientes locais e mercados estrangeiros.
“Eu compro cargas de 2 mil a 3 mil nairas por quilo. Não posso te dizer por quanto eu as vendo, mas eu as entrego para alguém que as leva para Alemanha, Turquia e China”, disse um dos donos das lojas.
Os custos da reciclagem ética
Graças a seus baixos custos gerais, os recicladores informais desempenham um papel competitivo no mercado internacional, onde compradores de sucata e componentes geralmente os escolhem sobre seus concorrentes registrados.
“O setor informal não incorre em custos de impostos, energia, custos trabalhistas ou legalidades de incorporação. Receberá sempre o maior lance para o processamento de resíduos”, disse Adrian Clews, diretor-executivo da Hinckley Recycling, uma das duas recicladoras de lixo eletrônico da Nigéria e parceira da Agência Nacional de Normas Ambientais e Regulamentação do projeto Economia Circular.
Em colaboração com a Verde Impacto, uma empresa de recuperação e reciclagem especializada em reciclagem pós-consumo, a Hinckley começou a incorporar catadores informais em seus negócios, fornecendo treinamento e equipamento de proteção, além de serviços de saúde, cobertura de seguro e contas bancárias. No entanto, a empresa luta para oferecer taxas competitivas para superar o que os catadores receberiam no mercado informal.
“A empresa pode pagar o mesmo que o mercado informal somente se houver financiamento adicional disponível”, disse Clews, “mas sem uma legislação de responsabilização ampliada das indústrias, estamos lutando uma batalha perdida”.
Responsabilizando-se pelo lixo
A legislação nigeriana para a indústria eletrônica responsabiliza os fabricantes por todo o ciclo de vida de seus produtos — enfatizando uso prolongado, prevenção de resíduos, reciclagem e recuperação — com o objetivo de minimizar o impacto na saúde humana e no meio ambiente.
Na Nigéria, a aplicação da legislação existente sobre a responsabilidade ampliada dos fabricantes foi até agora dificultada pela complexidade do mercado local e pela falta de um organismo de âmbito industrial para apoiar uma maior formalização do setor da reciclagem.
Aumentar a conscientização sobre os impactos do lixo eletrônico perigoso e melhorar a implementação da legislação sobre responsabilidade ampliada do fabricante na Nigéria estão entre os primeiros passos dados pelo governo e parceiros nigerianos sob o enfoque da Economia Circular para o projeto do setor eletrônico.
O projeto também contribuirá para o desenvolvimento dos melhores casos e abordagens para a implementação da Economia Circular na Nigéria e na África. O diretor-geral da Agência Nacional de Normas Ambientais e Regulamentação da Nigéria, Aliyu Jauro, está confiante de que a iniciativa “sensibilizará os trabalhadores, adotará as melhores práticas, apoiará o setor privado e levará a Nigéria a uma abordagem de economia circular no setor de lixo eletrônico”.
Andando sob o céu sem estrelas de Lagos, John só ouviu falar das mudanças que estão por vir no setor de resíduos. Ser um catador não é uma escolha — ele pretende se tornar um engenheiro de reciclagem. À noite, o ar está muito poluído para fazer um desejo para uma estrela cadente. Mas, com a mudança dos ventos para os recicladores de lixo eletrônico da Nigéria, em três anos, os céus de Lagos ficarão mais claros, e John pode ter a chance de realizar seu sonho.