Você sabia que vários países, como as Maldivas, Malta e as Bahamas, satisfazem todas as suas necessidades de consumo de água por meio da dessalinização, isto é, com a transformação da água do mar em água doce?
Os oceanos cobrem 70% do planeta. Os mares fornecem alimento para mais de 3 bilhões de pessoas, além de absorverem 30% do dióxido de carbono lançado na atmosfera e 90% do calor gerado pelas mudanças climáticas. Cada vez mais, eles também estão abastecendo com água doce uma população que só faz crescer.
Embora não haja escassez de água do mar, é importante entender e monitorar o impacto ambiental das usinas de dessalinização, cujo número aumenta rapidamente pelo mundo. A dessalinização é o processo de remoção de sais da água. Um dos subprodutos dessa “purificação” é uma água salobra tóxica, que pode degradar os ecossistemas costeiros e marinhos se não for tratada.
Na maioria dos processos de dessalinização, para cada litro de água potável produzido, gera-se em torno de 1,5 litro de líquidos poluídos com cloro e cobre. Quando bombeada de volta para o oceano, essa água salobra tóxica diminui o volume de oxigênio na água e tem impacto nos organismos ao longo da cadeia alimentar.
“Uma salinidade e temperaturas mais altas podem causar um decréscimo no conteúdo de oxigênio dissolvido, resultando em problemas chamados hipoxia”, afirma o diretor assistente do Instituto para a Água, Meio Ambiente e Saúde, da Universidade das Nações Unidas (UNU-INWEH), Manzoor Qadir.
O fenômeno prejudica organismos que vivem em cima ou debaixo d’água, com efeitos visíveis por toda a cadeia alimentar. Além disso, certos compostos, como o cloreto e o cobre, usados no processo de pré-tratamento da dessalinização, podem ser tóxicos para os organismos que vivem onde os resíduos são despejados, de acordo com Qadir.
A Arábia Saudita, com uma população de 34 milhões de habitantes, obtém cerca de 50% da sua água potável da dessalinização.
Um estudo de 2018 das Nações Unidas afirma que existem atualmente quase 16 mil usinas de dessalinização operando em 177 países. Essas instalações produzem um volume de água doce equivalente a quase metade do fluxo médio que corre nas Cataratas do Niágara. Porém, o líquido salobro e tóxico que é comummente descarregado no mar, ameaça contaminar as cadeias alimentares, caso não seja tratado.
A demanda cada vez maior por água, associada ao crescimento populacional e econômico e a um maior consumo de água per capita, exacerba a escassez de recursos hídricos na maioria das regiões do mundo, ao lado da redução do abastecimento devido às mudanças climáticas e à contaminação de fontes de água doce.
A pesquisa da ONU afirma que recursos hídricos não convencionais, como os oriundos da dessalinização, são fundamentais para promover o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6 — assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos. A dessalinização pode ampliar os suprimentos de água para além do que está disponível nos ciclos hidrológicos. Mas para isso, também são necessárias inovações na gestão e descarte da água salobra residual.
Desafios e oportunidades
A produção da água salobra tóxica e o alto consumo de energia são alguns dos principais pontos negativos da dessalinização. O descarte da água salobra tóxica não é apenas custoso, como também está associado a impactos ambientais negativos. “Nossas estimativas revelam que a produção dessa água salobra (residual) esteja em 142 milhões de metros cúbicos por dia, aproximadamente 50% mais do que em quantificações prévias”, afirma o estudo.
Um ponto mais positivo é que muitas centrais de desalinização estão em áreas com bastante sol onde a energia solar pode forenecer uma solução energética mais sustentável.
Mas pesquisas também sugerem que existem oportunidades econômicas envolvendo a gestão sustentável desses resíduos, incluindo na produção do sal comercial, na recuperação de metais e no uso da água salobra em sistemas de produção de peixes.
A dessalinização está atualmente concentrada em países desenvolvidos e de renda alta. Para que sistemas acessíveis e ambientalmente responsáveis sejam implementados em nações de renda baixa ou média para baixa, são necessárias inovações tecnológicas, bem como mecanismos inovadores de financiamento, para apoiar projetos de dessalinização, afirma a pesquisa produzida pelo Insituto para Àgua, Meio Ambiente e Saúde da Universidade das Nações Unidas (UNU-INWEH) e o projeto Canadense de Recursos de Água Não-convencionais.
Águas residuais
Em nível global, 80% das águas residuais param nos oceanos, rios, lagos e zonas úmidas. Por meio do Programa Global de Ação para a Proteção do Meio Ambiente Marinho contra atividades em solo, a ONU Meio Ambiente está trabalhando para prevenir a degradação causada por ações realizadas na superfície terrestre, inclusive a operação de usinas de dessalinização. O projeto também sedia e atua como o secretariado da Iniciativa Global de Águas Residuais.
Essa iniciativa está levando as pessoas a abandonar práticas de remoção dos resíduos e adotar modelos de recuperação dos recursos. A estratégia foca na capacitação e treinamento, na promoção das melhores práticas e tecnologias, na conscientização e comunicação e no enfrentamento de lacunas de dados.
Em março de 2019, a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente adotou uma resolução sobre a proteção do meio ambiente marinho contra atividades em solo.
Os Estados-membros da ONU concordaram em “aprimorar a difusão da proteção de ecossistemas costeiros e marinhos em políticas, particularmente os que lidam com ameaças ambientais causadas pelo aumento de nutrientes, águas residuais, lixo marinho e microplásticos, em apoio à Agenda 2030 como um quadro para o desenvolvimento sustentável”.
“Financiar melhorias nas (práticas de gestão das) águas residuais pode ser desafiador, por isso a ONU Meio Ambiente está no processo de estabelecer uma instituição que engaje o setor privado a ampliar modelos de negócios para a gestão das águas residuais”, afirma o especialista da agência das Nações Unidas Birguy Lamizana “Ela (a agência) também está desenvolvendo conhecimento científico e recomendações de políticas para apoiar a tomada de decisões.”
Para mais informações,
Flora Pereira da Silva, Gerente de Comunicação e Informação Pública,