No topo de uma colina em Malindza, um pequeno condado no exuberante leste da Suazilândia, mora Ntombi Ndzimandze, 56 anos, matriarca de sua família de 11 mulheres e crianças.
No início do ano, dois dos netos de Ndzimandze foram picados por mosquitos Anopheles arabiensis, um dos principais vetores da malária na África subsaariana. As crianças apresentaram todos os sintomas usuais da doença, mas quando Ndzimandze os levou à clínica mais próxima, eles receberam o diagnóstico errado.
“Depois que eles voltaram para casa, eu suspeitava que pudesse ter sido malária, mas estava muito ocupada mantendo-os hidratados”, diz Ndzimandze. À medida que os sintomas pioraram, ela levou as crianças para um hospital, onde foram finalmente diagnosticadas com malária complicada. As crianças sobreviveram, mas perderam dois períodos escolares e ainda estão lutando para se recuperar.
Um assassino evitável
A malária é uma doença causada por parasitas que são transmitidos através de picadas de mosquitos Anopheles fêmeas infectados. Os mosquitos se reproduzem em água doce, estagnada, em ambientes como poças, pântanos ou lagoas. Apesar de seus sintomas reconhecíveis, incluindo febre, calafrios, fortes dores de cabeça, náusea e vômito, e o fato de a doença ser curável, com o diagnóstico e tratamento corretos, mais de 400.000 pessoas ainda morrem de malária todos os anos.
A África carrega uma parcela desproporcionalmente alta do fardo global da malária. Em 2017, a região abrigava 92% de um número estimado de 219 milhões de casos de malária em todo o mundo, assim como 93% de todas as mortes por malária, a maioria delas, evitável.
Na Suazilândia, a transmissão da malária é sazonal e instável, com variações significativas nas taxas de infecção de ano para ano, dependendo do clima e de outros fatores. Mesmo nos melhores anos, cerca de 30% dos 1,3 milhões de pessoas do pequeno país estão em risco.
Nos últimos 10 anos, a Suazilândia conseguiu uma redução drástica na incidência de malária. No entanto, esse progresso teve um custo, o uso contínuo de DDT (ou Diclorodifeniltricloroetano), um poluente orgânico persistente perigoso, destinado a ser eliminado pela Convenção de Estocolmo.
O DDT tem sido associado ao câncer em humanos e é altamente tóxico para peixes e invertebrados marinhos. A pulverização em massa de DDT também gerou um rápido crescimento na resistência dos mosquitos à substância química em algumas regiões, assim como o uso excessivo de piretroides e outras alternativas de DDT.
Devido à sua alta estabilidade e persistência, e pelas décadas de uso do DDT em todo o mundo, hoje podem ser encontrados resíduos tóxicos em todo lugar, de oceanos abertos às geleiras do Himalaia. O produto químico é encontrado inclusive nas populações de ursos polares nas colônias do Ártico, e de pinguins na Antártica.
Apesar do DDT ainda ser permitido para uso de controle vetorial em ambientes fechados, onde não há alternativas acessíveis, governos e atores internacionais lutam para eliminar a substância química desde a década de 1970. Hoje, apenas 17 países em todo o mundo - 13 deles na África - ainda usam o DDT para controlar doenças transmitidas por insetos.
Alternativas ecológicas para soluções tóxicas
“Embora o uso do DDT tenha sido eliminado em grande parte do mundo, vários países da África enfrentaram a difícil escolha de continuar usando o DDT ou permitir que a incidência da malária aumente sem controle”, diz Eloise Touni, Especialista em Químicos e Resíduos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
"No entanto, agora existem alternativas químicas e não químicas comprovadas, incluindo soluções baseadas na natureza, produtos químicos alternativos e menos perigosos e abordagens integradas que oferecem maneiras não tóxicas de proteger as pessoas da malária e de outras doenças transmitidas por vetores".
Touni supervisiona o projeto Demonstração da Eficácia de Intervenções Diversificadas, Ambientalmente Saudáveis e Sustentáveis e o Fortalecimento da Capacidade Nacional de Implementação do Gerenciamento Integrado de Vetores para Prevenção e Controle de Doenças da região AFRO [Escritório Regional para África da Organização Mundial da Saúde] (AFRO II) financiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF, em inglês). Em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o projeto está apoiando 15 países africanos que ainda dependem do DDT, ou estão pensando em voltar a usá-lo, para introduzir intervenções mais novas e seguras para o controle do vetor de doenças.
Na Suazilândia, o projeto está experimentando o larvicida biológico como alternativa ao DDT, usando o Bacillus thuringiensis israelensis, ou 'Bti'. O Bti, uma bactéria natural do solo, contém esporos que produzem toxinas que visam especificamente as larvas de certos insetos, incluindo mosquitos.
Ao atacar os mosquitos antes que eles atinjam a idade adulta, e, assim, começar a criar e espalhar a malária e outras doenças, o larvicida pode ter um impacto significativo nas populações de mosquitos, além de reduzir a necessidade do uso de inseticidas domésticos tóxicos.
Evidência local, potencial global
Sem toxicidade para as pessoas ou resistência documentada à bactéria como larvicida, a equipe do projeto AFRO II está defendendo o Bti como uma nova arma poderosa na luta da África contra a malária.
O parceiro do projeto AFRO II, o Centro Internacional de Fisiologia e Ecologia de Insetos, mapeou a Suazilândia, identificando áreas de criação de mosquitos para aplicações de inseticidas biológicos.
"Selecionamos aldeias com casos de malária e transmissões locais, às quais adicionamos uma zona de 1 km no perímetro que cobre a possibilidade de mosquitos entrarem", diz Theresia Estomih Nkya, pós-doutoranda do Centro.
Depois que as áreas ao redor das aldeias são mapeadas, os trabalhadores de campo do projeto testam ambientes aquáticos locais para verificar a presença de larvas de mosquitos Anopheles e identificam as áreas a serem tratadas com Bti.
"Temos a hipótese de que os casos de malária serão significativamente reduzidos graças à intervenção", diz Nkya. "Reduziria a necessidade de pulverização de DDT e outros produtos químicos tóxicos nas casas das pessoas, uma vantagem para todos".
Com a eficácia do Bti na redução de populações de larvas de mosquitos já comprovada em outros países, a equipe do AFRO II tem grandes esperanças para esta solução baseada na natureza para uma das doenças, transmitidas por vetores, mais letais do mundo.
"Os inseticidas biológicos têm um enorme potencial para complementar e fornecer uma alternativa aos larvicidas químicos sintéticos", diz Touni do PNUMA. “Da malária a outras doenças transmitidas por mosquitos, como a zika, a dengue e a chikungunya, soluções ecológicas como a Bti têm o potencial de ajudar a salvar vidas em todo o mundo”.
O projeto de Demonstração da Eficácia de Intervenções Diversificadas, Ambientalmente Saudáveis e Sustentáveis e o Fortalecimento da Capacidade Nacional de Implementação do Gerenciamento Integrado de Vetores para Prevenção e Controle de Doenças da região AFRO da OMS (AFRO II) está trabalhando com parceiros de 15 países africanos para introduzir alternativas ao controle tóxico de doenças vetoriais.
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Roberta Zandonai, Gerente de Comunicação Institucional, PNUMA, roberta.zandonai@un.org