Photo by Ritzau Scanpix via AFP/Ida Marie Odgard
27 Feb 2025 Reportagem Climate Action

Novo fundo visa ajudar a salvar as pastagens do Brasil

Photo by Ritzau Scanpix via AFP/Ida Marie Odgard

Com mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, o Cerrado, na região central do Brasil, é a maior área de pastagem do mundo. Com o tamanho da Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Espanha juntas, é também o lar de 5% de todas as espécies da Terra, indicam pesquisadores.    

Mas o Cerrado é mais do que apenas uma paisagem atraente. De acordo com um estudo, suas gramíneas, plantas e árvores armazenam 13,7 bilhões de toneladas de carbono - que aquece o planeta e que, se liberadas, podem agravar a crise climática.  

Apesar disso, o Cerrado está desaparecendo rapidamente, com grande parte dele sendo desmatado para dar lugar a plantações de soja.  

O Responsible Commodities Facility (RCF), um esquema de financiamento exclusivo apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e outras organizações, tem como objetivo mudar isso. A iniciativa trabalha com produtores de soja para interromper o desmatamento, proteger os serviços ecossistêmicos exclusivos da região, manter os estoques de carbono e melhorar a lucratividade das fazendas. 

A field of green crops
O cultivo da soja está destruindo o cerrado brasileiro, um depósito de carbono que,  liberado, aquece o planeta. Foto do PNUMA

Lançado em 2022, o fundo concede empréstimos aos agricultores a taxas de juros até 20% mais baixas do que as oferecidas pelos bancos comerciais. Os agricultores usam o financiamento para comprar sementes, fertilizantes e outros insumos essenciais. Como parte do acordo, os agricultores comprometem-se a proteger mais de 35% das suas terras contra o desmatamento. “O RCF oferece financiamento aos agricultores que estão protegendo 50% das florestas, em média”, diz Pedro Moura Costa, diretor de Gestão de Investimentos Sustentáveis (Sustainable Investment Management), uma financeira, e da BVRio, um grupo sem fins lucrativos que lidera a iniciativa.  

Desde o seu lançamento, a RCF já desembolsou US$ 69 milhões para os agricultores, que são escolhidos com base em critérios rigorosos que incluem verificações financeiras e ambientais.    

“Vemos que, quando tornamos os incentivos financeiros suficientemente atraentes, os agricultores podem ajudar a proteger suas terras”, afirma Ivo Mulder, diretor interino de finanças climáticas do PNUMA. “Esse esquema mostra como o financiamento pode ajudar a acabar com o desmatamento.” 

A man washes his hands under a tap 
Os agricultores que recebem empréstimos do RCF comprometem-se a proteger mais de 35% de suas terras contra o desmatamento. Foto do PNUMA

O Brasil é um dos maiores produtores de soja do mundo, de acordo com o Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável. No entanto, para dar espaço ao cultivo, os agricultores geralmente derrubam gramíneas e árvores nativas, um problema que deve crescer à medida que a demanda por soja aumenta. 

Desde 2022, a RCF ajudou a proteger mais de 43 mil hectares de vegetação nativa. Isso permitiu manter o equivalente a pelo menos 18 milhões de toneladas de dióxido de carbono contidas na vida vegetal.   

A RCF pretende atingir US$ 150 milhões em financiamento até a safra de 2025-26, com o objetivo de “aumentar significativamente o impacto na paisagem do Cerrado”, diz Moura Costa.   

Com financiamento adicional, diz Costa, o esquema poderia fornecer empréstimos a agricultores que regenerassem campos que estivessem sem uso. Isso permitiria que as fazendas se expandissem sem ter que desmatar a terra.  

Modelos liderados pelo setor privado  

O RCF surgiu a partir do Manifesto do Cerrado e da declaração de apoio que foi assinada por cerca de 160 empresas de bens de consumo de rápida movimentação. O manifesto exige compromissos voluntários das empresas para ajudar a deter o desmatamento e a perda de vegetação nativa no Cerrado. Embora 160 empresas tenham assinado o manifesto, apenas três se comprometeram com o fundo RCF. 

Embora o fundo tenha tido sucesso, é necessário atingir um volume crítico de financiamento para que a agricultura livre de desmatamento se torne uma prática comum, afirma Mulder. 

  

An aerial view of a farmer’s field
Desde 2022, o RCF ajudou a proteger quase 15.000 hectares de vegetação nativa. Isso manteu o equivalente a 18 milhões de toneladas de dióxido de carbono contidas na vida vegetal. Foto do PNUMA

Os modelos de financiamento liderados pelo setor privado são considerados cruciais para ajudar o mundo a combater as três crises planetária ambientais das mudanças climáticas, da perda da natureza e da biodiversidade e da poluição e dos resíduos.  

O relatório Estado das Finanças para a Natureza (State of Finance for Nature Report) do PNUMA constatou que os investimentos em soluções baseadas na natureza continuam baixos. Os fluxos financeiros atuais são de US$ 200 bilhões por ano, apenas um terço dos níveis necessários para atingir as metas de clima, biodiversidade e degradação da terra até 2030. O financiamento privado responde por apenas 18% dos investimentos atuais.  

A view out of a tractor window
The Responsible Commodities Facility is aiming to reach US$150 million in funding by the 2025-26 growing season. Photo by UNEP

Mulder diz que programas como o RCF poderiam ser ampliados se mais cadeias de supermercados, comerciantes de commodities e empresas de bens de consumo estivessem dispostos a investir em produtos livres de desmatamento. Ele diz que as práticas sustentáveis são a única maneira de evitar uma futura crise nos sistemas alimentares da humanidade.  

“No momento, não estamos pagando o custo real dos alimentos que consumimos”, diz Mulder. “Estamos cobrando um preço muito alto do meio ambiente e, se continuarmos assim, isso voltará para nos assombrar em termos de preços mais altos dos alimentos no futuro devido ao colapso ambiental.” 

 

A solução setorial para a crise climática       

O PNUMA está na fronteira do apoio à meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C e almejar 1,5°C, em comparação com os níveis pré-industriais. Para isso, o PNUMA desenvolveu a Solução Setorial, um roteiro para reduzir as emissões em todos os setores, de acordo com os compromissos do Acordo de Paris e em busca da estabilidade climática. Os seis setores identificados são: energia; indústria; agricultura e alimentos; florestas e uso da terra; transporte; e edifícios e cidades.