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24 Jan 2024 Reportagem Chemicals & pollution action

O que é fósforo e por que aumentam as preocupações sobre o seu impacto ambiental?

Durante meses no ano passado, os frequentadores das praias da Flórida foram atormentados por emaranhados apodrecidos de algas marinhas em decomposição que haviam chegado à areia. Conhecidos tecnicamente como sargaço, os grossos aglomerados faziam parte de um cinturão de algas marinhas de 8 mil quilômetros de comprimento no Oceano Atlântico.

As florações de sargaço causam uma série de problemas ambientais, incluindo "zonas mortas" costeiras desprovidas de vida aquática. Surtos anteriores de sargaço foram associados à liberação excessiva de fósforo e outras substâncias químicas conhecidas como nutrientes.  

O fósforo e outro nutriente, o nitrogênio, são ingredientes-chave nos fertilizantes sintéticos. Eles se tornaram cada vez mais populares nas últimas décadas, mas podem ter efeitos devastadores quando entram em lagos, em rios e no oceano.

Na sexta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-6), o principal órgão de tomada de decisão do mundo sobre o meio ambiente, espera-se que os delegados dos Estados-Membros da ONU discutam como avançar a cooperação global em torno dos nutrientes. Em particular, eles estão programados para explorar maneiras de controlar o excesso de fósforo no meio ambiente sem comprometer os esforços para acabar com a fome. Isso se baseia no trabalho já realizado pelos Estados-Membros por meio de resoluções anteriores da UNEA para reduzir a poluição por nitrogênio.

"Reduzir a poluição de nutrientes e recuperar nutrientes, como o fósforo, para reutilização é vantajoso tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana", diz Letícia Carvalho, responsável pelo setor de Água Marinha e Água Doce do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). "Mas, para ter sucesso, precisamos que governos, cientistas, setor privado e sociedade civil se unam."

Antes das discussões da UNEA-6, aqui estão alguns fatos sobre o uso do fósforo e como o mineral pode ser melhor gerenciado.

O que é o fósforo e quais são os seus principais usos hoje?

Descoberto há mais de 350 anos, o fósforo é um nutriente indispensável que ajuda as plantas a crescerem. Seu principal uso é na fabricação de fertilizantes sintéticos para aumentar a produtividade das culturas, tornando-o crucial para a segurança alimentar. O fósforo é um ingrediente-chave na alimentação animal e também é usado para produzir aço, aditivos alimentares, baterias de carros elétricos, certos pesticidas e produtos de limpeza doméstica.

De onde vem o fósforo?

A rocha fosfática é a principal fonte de fósforo de fácil acesso para a fabricação de fertilizantes sintéticos e tem sido produzida em grandes quantidades desde a Segunda Guerra Mundial.

Então, as reservas de fósforo são limitadas?

Sim. A quantidade de fósforo no mundo é finita e há a necessidade de reduzir a quantidade do mineral que estamos extraindo. Isso pode ser feito tornando a mineração e o processamento de fósforo mais eficientes. Também importante: otimizar a forma como o fósforo é usado na agricultura e recuperar o fósforo dos resíduos.

De onde vem a poluição por fósforo?

A agricultura é uma das principais fontes de poluição por fósforo, tanto da produção de culturas quanto da criação de gado. O fósforo também é perdido por meio do esgoto, alimentos que são jogados fora e outros fluxos de resíduos.

Por que o excesso de fósforo é ruim?

O excesso de fósforo, como o nitrogênio, outro nutriente essencial, esgota a riqueza dos solos. Também polui lagos, rios e o oceano, em um processo conhecido como eutrofização. Isso leva a florações de algas que contaminam o abastecimento de água potável e criam zonas mortas sem oxigênio, que podem matar peixes e outras espécies aquáticas. A poluição por fósforo é um dos principais motores da perda de biodiversidade e contribui para a degradação dos ecossistemas dos quais a humanidade depende. Estima-se que a eutrofização custe US$ 2,2 bilhões anuais à economia dos EUA.

A taxa de poluição por fósforo está aumentando?

Sim. Globalmente, as perdas de fósforo da terra para as águas doces dobraram no último século e continuam a aumentar. Apesar dos esforços em larga escala para reduzir a poluição por nutrientes, Carvalho disse que a liberação de fósforo já está sobrecarregando a capacidade do planeta de lidar com isso. Até 80% do mineral é perdido ou desperdiçado durante o uso. Junto às consequências ambientais, isso custa aos agricultores, proprietários de fábricas e outros cerca  de US$ 265 bilhões por ano.

"Há muito tempo cruzamos a linha vermelha sobre a poluição por fósforo, e os efeitos na Terra têm sido devastadores", diz Carvalho. "Se a humanidade continuar nesse caminho, corremos o risco de comprometer inúmeros ecossistemas ao redor do mundo."

Isso significa que a humanidade deve simplesmente parar de usar fósforo?

Não. A chave é que o fósforo seja usado de forma mais sustentável e evite que quantidades excessivas dele se infiltrem no meio ambiente. Há um equívoco comum de que quanto mais fertilizantes à base de fósforo forem usados, mais a produtividade das lavouras aumentará. Isso não é necessariamente verdade. A chave é usar a quantidade certa, para que as culturas ainda prosperem e o meio ambiente não sofra indevidamente.

Como a humanidade pode usar o fósforo de forma mais sustentável?

Mudanças nas práticas agrícolas podem ajudar a reduzir a poluição por fósforo. O uso de esterco, por exemplo, pode diminuir a necessidade de fertilizantes à base de fósforo. Os agricultores também podem plantar culturas de cobertura e evitar o preparo do solo, o que irá melhorar a saúde do solo e reduzir a necessidade de fertilizantes. Essas práticas devem fazer parte de uma mudança maior em direção à agricultura regenerativa, uma abordagem mais ecológica para a agricultura que melhore a saúde do solo e mantenha a biodiversidade.

Além disso, os fertilizantes sintéticos só devem ser usados na fase em que as culturas mais precisam de fósforo. O setor pecuário deve também explorar formas de recuperar o fósforo do adubo.

Por último, as águas residuais descarregam cerca de 3 milhões de toneladas de fósforo no ambiente todos os anos globalmente. O tratamento adequado poderia reduzir a concentração de fósforo e nitrogênio nas águas residuais em pelo menos 80%.

As soluções exigirão inovação, não apenas em tecnologia, mas também em formas de trabalho. Exigirá cooperação dentro e entre setores que podem não ter tradicionalmente trabalhado em conjunto.

Quanto precisamos para reduzir a poluição por fósforo?

Muito. O relatório Our Phosphorus Future pede uma redução de 50% na poluição global por fósforo, juntamente a um aumento de 50% na reciclagem de fósforo perdido em resíduos e águas residuais até 2050. Segundo o relatório, isso reforçaria a segurança alimentar e melhoraria a qualidade da água, entre uma série de outros benefícios.

O que o PNUMA está fazendo para combater a poluição por fósforo?

O PNUMA sedia a Parceria Global sobre Manejo de Nutrientes, lançada em 2009. Ele promove uma gestão eficaz dos nutrientes, particularmente do nitrogênio e do fósforo, tanto para alcançar a segurança alimentar quanto para proteger o ambiente.

Os esforços do PNUMA para controlar as consequências ambientais do fósforo ocorrem em meio a um esforço global mais amplo para controlar a poluição, que recebeu um impulso no ano passado com o Marco Global sobre Produtos Químicos. Com base em cerca de 28 metas, o marco estabelece um roteiro para proteger as pessoas e o planeta de produtos químicos e resíduos nocivos. O PNUMA administrará um fundo fiduciário que vai ajudar a implementar o acordo.

Como principal autoridade global em meio ambiente, o PNUMA também está ajudando os países a implementar o Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, incluindo a Meta 7, que aborda o fósforo. O marco prevê uma redução de 50% do excesso de nutrientes perdidos para o ambiente até 2030 e que o risco dos pesticidas seja reduzido pelo menos para metade.

 

A sexta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-6) será realizada de 26 de fevereiro a 1º de março de 2024 na sede do PNUMA em Nairóbi, no Quênia, sob o tema: Ações multilaterais eficazes, inclusivas e sustentáveis para combater as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição. Por meio de suas resoluções e chamadas à ação, a Assembleia fornece liderança e catalisa a ação intergovernamental sobre o meio ambiente.