São Paulo é uma metrópole em expansão, conhecida por seu mercado financeiro, empresas e cena artística. Mas essa reputação pode ser enganosa para os moradores de regiões rurais que se mudam para a capital paulista em busca de empregos. O crescimento da população paulistana — estimada em cerca de 12 milhões de habitantes — não mostra sinal de desaceleração.
Esse crescimento, mais espontâneo do que o planejado, traz desafios próprios. O bairro Jardim Helian, por exemplo, no leste da cidade, foi se expandindo conforme as pessoas chegavam para buscar trabalho no setor de construção, comércio e também como empregadas domésticas em residências de classe média e classe média alta.
A área, construída sobre a bacia do córrego Tone, é representativa de outros assentamentos informais, com casas construídas pelos próprios moradores e, frequentemente, em condições precárias. Os cerca de 14 mil moradores do Jardim Helian têm renda de baixa a média. O caráter não planejado da região levou inevitavelmente a problemas.
“Um dos problemas é quando as casas invadem o território do rio, levando à canalização forçada (o que causa enchentes durante a estação chuvosa)”, afirma o morador Mohammed, ao lado de uma “casa na ponte”. Debaixo da residência, o rio segue seu curso. “Outro (problema) é que o esgoto é jogado diretamente no riacho.”
O bairro também enfrenta desafios relacionados ao descarte de resíduos sólidos, com o lixo se acumulando com frequência nas ruas ou indo parar no rio. Outra dificuldade é a locomoção, sobretudo o acesso ao transporte público.
Mohammed, um dos líderes comunitários, estava determinado a aprender sobre soluções para os problemas locais. Ele acompanhou aulas na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Sua paixão e entusiamo o levaram a conseguir apoio por meio de um projeto conjunto da ONU Meio Ambiente e do Programa Cidades Sustentáveis, com o Instituto das Cidades, da UNIFESP.
O projeto visa testar inovações por meio de uma “abordagem de vizinhança” — que poderia ser ampliada e aplicada nos níveis municipal e nacional. Inovação, integração e replicação são as palavras-chave da iniciativa, através da qual uma comunidade consegue lidar com questões ambientais múltiplas. O projeto se pauta pelas percepções dos habitantes sobre esses problemas e, então, replica as soluções por meio do planejamento urbano. A participação dos moradores garante que os desafios possam ser identificados e resolvidos junto com especialistas técnicos dentro e fora dos governos locais.
Em Jardim Helian, o Programa Cidades Sustentáveis e a UNIFESP cocriaram com os moradores um quadro sofisticado de indicadores, que ajudou a comunidade a comunicar seus problemas às autoridades. Usando dados produzidos localmente, pesquisadores do projeto e moradores analisaram problemas de gestão hídrica, conservação da biodiversidade e vulnerabilidade das casas aos alagamentos.
“A ideia do projeto era, com base nos indicadores, fazer uma pesquisa, estabelecer prioridades e, a partir dessas prioridades, pensar em projetos que poderiam ajudar a melhorar a qualidade ambiental da região”, explica a coordenadora de indicadores do Programa Cidades Sustentáveis, Clara Meyer.
Ao final do projeto, os moradores conseguiram apresentar um plano físico e financeiro para o governo e potenciais doadores externos. A estratégia ressaltava as preocupações da comunidade e associava as inquietações com as prioridades do governo local, ao mesmo tempo em que mantinha as aspirações dos residentes dentro de um orçamento razoável. O marco cobria uma vasta gama de assuntos, olhando para a comunidade com uma perspectiva sistemática — da instalação de postos de coleta de água à coleta de lixo volumoso e resíduos de construção, uso de recursos florestais em centros urbanos para manter as áreas verdes e a instalação de pontos de ônibus, com a criação de horários adequados.
O projeto também considerava criar uma cooperativa de catadores de lixo para gerar renda a partir da reciclagem, além de sugerir o estabelecimento de um centro de educação sobre meio ambiente, a fim de promover estilos de vida mais sustentáveis. Como os próprios moradores elaboraram o plano, a estratégia é direcionada e adequada, em oposição a soluções que são impostas de fora.
“A possibilidade de transitar entre os moradores e escutá-los foi fundamental”, afirma o pesquisa Tiago Martins, do Instituto das Cidades. “Essa é uma das coisas mais importantes no resultado do projeto.”
O Programa Cidades Sustentáveis agora está apoiando a comunidade a discutir o plano com o governo local, bancos e outras instituições financeiras para mobilizar recursos. Se esse piloto for bem-sucedido, e até agora tudo indica que sim, o próximo passo é levar a abordagem para cidades que enfrentam problemas similares, no Brasil e em outros lugares.Isso é essencial, devido às questões apresentadas pela pesquisa O Peso das Cidades: Exigências de Recursos da Urbanização Futura, lançada em 2018 pelo Painel Internacional sobre Recursos.
A parcela da população que mora nas cidades deve crescer de 54% em 2015 para 66% em 2050, chegando a 2,4 bilhões no mundo todo. O grosso desse crescimento ocorrerá no Sul global, em países como China, Índia e Nigéria. Em torno de 90 trilhões serão investidos em infraestrutura urbana até 2050.
Acelerar a produtividade urbana exige, entre outras medidas, a restruturação dos bairros, o investimento em sistemas de trânsito que contemplem toda a cidade, a construção de redes de energia renovável e prédios que sejam eficientes do ponto de vista energético, a redução do lixo para um nível zero e o compartilhamento de recursos. Mas isso vai depender de modelos apropriados de governança urbana. Como mostra o caso do Jardim Helian, a abordagem de vizinhança pode ajudar a moldar e melhorar a gestão das cidades.
“O desafio que a humanidade enfrenta nesse século é tentar adaptar o crescimento urbano e resolver desafios socioambientais que ele (o crescimento) apresenta”, defende Zysman Neiman, coordenadora do Comitê Gestor do Instituto das Cidades. “É hora de resolver esses problemas.”