A segurança energética está no centro das atenções. Muitos países buscam reduzir a dependência de combustíveis fósseis de origem externa devido à alta desse recurso provocada pela guerra na Ucrânia e pela instabilidade geopolítica resultante dela.
No entanto, um relatório recém-publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revela que projetos de combustíveis fósseis existentes e previstos poderão levar o mundo para além do limite de 1,5 °C, portanto, produzir mais combustíveis fósseis pode ser uma receita para o desastre.
Com a maior alta do petróleo em quase uma década, vários países que produzem esse recurso aumentaram a produção, o que só fará a situação piorar a longo prazo, segundo o Secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres.
O uso de estoques estratégicos e reservas adicionais poderia ajudar a amenizar a crise energética a curto prazo. Mas especialistas dizem que os países devem promover mudanças transformadoras, eliminando progressivamente o carvão e outros combustíveis fósseis e acelerando a utilização de energia renovável.
Falamos com Mark Radka, diretor do Setor de Energia e Clima do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para saber mais sobre o crescimento das energias renováveis e o que pode ser feito para nos afastarmos dos combustíveis fósseis.
O senhor ficou surpreso que estamos observando um recuo das empresas de energia e das produtoras de petróleo em relação à redução da produção de combustíveis fósseis?
Mark Radka (MR): Não é surpreendente, mas é importante fazer uma distinção entre elas, porque nem as empresas, nem os países, possuem um caráter monolítico. Haverá oportunismo, e seria surpreendente se não houvesse. Mas aquelas empresas mais conscientes estão compromissadas com a transição energética, e eu acredito que permanecerão nesse caminho, mesmo que haja flutuações de curto prazo.
Leva tempo até que o dinheiro investido em novos setores de petróleo ou gasolina produza hidrocarbonetos, então esses são investimentos de longo prazo. Não é algo que ocorre da noite para o dia; eles exigem muito dinheiro, muita engenharia e muita infraestrutura para serem projetados e construídos. As empresas não tomam esse tipo de decisões com base na política do momento.
Há uma diminuição no desejo pela ação climática quando ela atinge o público no bolso?
MR: Essa é uma falsa narrativa. As energias renováveis hoje alimentam o setor energético, enquanto o uso do carvão na produção de eletricidade diminuiu. Há um aumento bem-vindo na produção e aceitação de veículos elétricos (VE), embora o mercado de VE ainda seja pequeno, mas esteja crescendo rapidamente.
Há uma distinção entre petróleo, gasolina e energias renováveis. Há cada vez mais convergência no sistema energético. Mas não ocorreu ao ponto de se poder dizer que "são as políticas pró-clima de energia renovável que são responsáveis pelos altos preços da gasolina". Isso não é verdade.
Algumas nações produtoras de petróleo afirmam que, sem a segurança energética, os países não terão os meios para enfrentar a mudança climática — o que você pensa sobre isso?
MR: A premissa de que, se você se afastar dos combustíveis fosseis muito rapidamente, você reduzirá os meios econômicos para combater a mudança climática tem uma lógica inusitada. Os custos da transição energética não serão pequenos. Mas os custos da inércia excedem em muito os custos da ação. Precisamos de energia, mas também de um clima saudável para que o planeta funcione: precisamos de uma transição energética que seja compatível com o clima.
A tecnologia necessária existe — ainda não alcançou todos os setores — mas não devemos usar isso como uma desculpa para não a promover em outras áreas. Essa transição já está em andamento. Precisamos apenas acelerá-la, o que definitivamente pode ser feito. Eu ficaria surpreso se qualquer governo produtor de hidrocarbonetos afirmasse que deveria parar de produzir hidrocarbonetos, mas penso que as forças de mercado definirão que esses produtores estão em um mercado decrescente.
As energias renováveis são naturalmente mais estáveis geopoliticamente que os combustíveis fósseis?
MR: É claramente muito mais fácil para alguns países serem autossuficientes [quando se trata de energias renováveis] do que para outros. Se você estiver em um local muito ensolarado, o custo da energia solar é atrativo, enquanto outros países podem ter recursos eólicos melhores. A grande maioria dos países tem algumas boas fontes de energia renovável. Se o vento estiver soprando para algum lugar ou se o céu estiver nublado, é possível exportar a energia. Logicamente, deve-se compartilhar os recursos, permitindo um equilíbrio do abastecimento.
Esse tipo de compartilhamento de energia é possível nos países nórdicos porque suas redes elétricas estão em grande parte interligadas. Há também uma linha de alta tensão prevista entre a Escócia e a Noruega que permitirá o comércio de energia eólica escocesa e energia hidrelétrica norueguesa. Este tipo de projeto é bom, pois reduz os custos gerais e aumenta a segurança. O mundo está ficando cada vez mais elétrico — mas a eletricidade não é como o petróleo; não se pode armazená-la em grandes quantidades, portanto, é importante haver mais interconexões.
Tendo em conta os alertas preocupantes do último relatório do IPCC, estamos correndo o risco de retroceder este ano?
MR: Há impulso suficiente para continuar avançando quando se trata de descarbonização, mas pode haver reversões a curto prazo. Eu uso a analogia da temperatura na primavera. Pode haver algumas reviravoltas, mas em última análise, você sabe que a temperatura só está indo em um sentido, e será em média mais quente em julho do que em abril, pelo menos no hemisfério norte.
Quais são as possibilidades existentes para maximizar a eficiência energética e assim reduzir o consumo de energia para diminuir a dependência das importações de combustíveis fósseis?
MR: A maior frustração das pessoas que se preocupam com a energia e a mudança climática é o enorme potencial inexplorado para reduzir as necessidades energéticas por meio da eficiência energética. Metade das reduções de emissões a curto prazo no setor energético pode ser alcançada por meio da eficiência energética, por exemplo, utilizando aparelhos, iluminação e motores mais eficientes.
Todos eles estão disponíveis, mas não são adotados de forma ampla o suficiente. Em grande parte, são as políticas públicas que impulsionam mais eficiência. Por exemplo, na União Europeia, você não pode comprar hoje uma geladeira que era considerada a melhor do mercado em 1990. Portanto, essas tecnologias têm avançado, impulsionadas por regulamentações que estimulam a inovação. As pessoas pagam um pouco mais por um aparelho melhor, mas economizam dinheiro em suas contas de energia, muitas vezes o suficiente para pagar o aumento do custo rapidamente.
O que você diria àqueles que buscam expandir a produção de combustíveis fósseis?
MR: É preciso ressaltar que essa seria uma falsa economia. Essa situação poderia levar a investimentos que terão de ser retirados cedo, já que a descarbonização no setor energético é uma tendência definitiva. Precisamos de argumentos com fatos para combater a ideia de que o clima não é mais uma prioridade. Não precisamos entrar em pânico, mas também não devemos ser comodistas.
O PNUMA lidera o cumprimento do objetivo do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura global abaixo de 2 °C, dando preferência, por segurança, a um limite de 1,5 °C, em comparação aos níveis pré-industriais. Para isso, o PNUMA desenvolveu uma Solução de Seis Setores: um roteiro para reduzir as emissões em todos os setores, em conformidade com os compromissos do Acordo de Paris e na busca pela estabilidade climática. Os seis setores identificados são: Energia; Indústria; Agricultura e Alimentos; Florestas e Uso da Terra; Transporte, e Edifícios e Cidades.