Science Photo Library via AFP / Kateryna Kon
14 Nov 2023 Reportagem Chemicals & pollution action

O que é resistência antimicrobiana e por que ela é uma ameaça crescente?

Em janeiro de 2021, uma criança foi internada em um hospital, no estado americano do Kansas, com tuberculose.

Os médicos logo descobririam que a cepa de bactérias por trás da infecção era imune a quatro tratamentos comumente usados, descobriu um estudo recente.

Em pouco tempo, uma dúzia de outras pessoas adoeceram com a doença, que afeta os pulmões e já foi uma das doenças mais mortais do mundo.

A resistência antimicrobiana (RAM) acontece quando os microrganismos evoluem e deixam de responder, ou respondem menos, ao tratamento. Esse processo está em ascensão em todo o mundo e foi responsável por quase 1,3 milhão de mortes em 2019, tornando-se uma causa de mortes maior que a Aids e a malária. E é esperado que a situação piore.

"A resistência antimicrobiana é realmente uma crise global que requer ações urgentes", disse Jacqueline Álvarez, chefe da Divisão de Produtos Químicos e Saúde do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). "De profissionais de saúde a veterinários, formuladores de políticas e ao público em geral – todos devemos nos educar sobre os perigos da resistência antimicrobiana e intensificar os esforços para a evitar."

A Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência aos Antimicrobianos vai acontecer de 18 a 24 de novembro. A edição deste ano contará com cúpulas, painéis de discussão, coletivas de imprensa e uma série de outros eventos ao redor do mundo. A seguir, veja tudo o que você precisa saber sobre resistência antimicrobiana, incluindo seu elo com o meio ambiente, e o que pode ser feito para combater sua disseminação.

O que é resistência antimicrobiana?

A RAM ocorre quando microrganismos, como bactérias, vírus, parasitas ou fungos, tornam-se resistentes a tratamentos antimicrobianos aos quais eles eram anteriormente suscetíveis. Quanto mais micróbios são expostos a produtos farmacêuticos, como antibióticos, maior a probabilidade de se adaptarem a eles.

Quais são alguns dos principais impulsionadores da resistência antimicrobiana?

Um dos principais fatores é o uso excessivo e indevido de antibióticos na medicina humana e na agricultura. Em muitos casos, os antibióticos são prescritos quando não são necessários ou não são usados corretamente. Isso pode levar à sobrevivência e à proliferação de bactérias resistentes. O uso e o uso em excesso de antimicrobianos na agricultura e na pecuária, inclusive para promover o crescimento e prevenir doenças nos animais, é também um dos principais contribuintes para o desenvolvimento e a propagação da resistência antimicrobiana. A poluição dos setores farmacêutico, agrícola e de saúde, e os resíduos urbanos, também estão impulsionando a resistência antimicrobiana.

A resistência antimicrobiana tem um peso especial no mundo em desenvolvimento. Por quê?

A pobreza, associada à falta de acesso aos cuidados de saúde, pode exacerbar a propagação da resistência antimicrobiana. Da mesma forma, as pessoas em países em desenvolvimento, especialmente aquelas que vivem em assentamentos informais, muitas vezes não recebem diagnósticos adequados, levando à prescrição excessiva de antimicrobianos. De forma similar, a falta de acesso à água potável e ao saneamento os torna mais vulneráveis a infecções.

Como é que o estado do meio ambiente afeta a propagação da resistência antimicrobiana?

Existem cada vez mais provas de que o meio ambiente desempenha um papel fundamental no desenvolvimento, transmissão e disseminação da resistência antimicrobiana. Sua proliferação está ligada à tripla crise planetária das mudanças climáticas, perda da natureza e biodiversidade, e poluição e resíduos.

Por exemplo, temperaturas mais elevadas, tempestades e inundações podem alimentar a propagação de doenças bacterianas, virais, parasitárias, fúngicas e transmitidas por vetores. Eventos climáticos extremos também podem fazer com que as águas residuais e o esgoto sobrecarreguem as estações de tratamento, permitindo que esgotos não tratados, ricos em micróbios resistentes a antimicrobianos, contaminem as comunidades vizinhas.

Similarmente, as águas residuais cheias de medicamentos, inclusive os de instalações de produção animal, hospitais e empresas farmacêuticas, podem aumentar a resistência aos medicamentos.

Não podemos deixar de usar antimicrobianos. Então, como podemos combater a resistência antimicrobiana?

Os antimicrobianos já salvaram inúmeras vidas e são essenciais para a medicina moderna. Mas precisamos usá-los de forma mais criteriosa. Os profissionais de saúde só devem prescrever antibióticos quando necessário e na dosagem e duração corretas. O uso e o uso em excesso de antibióticos na agricultura e pecuária também devem ser limitados. É imperativo que os países adotem a abordagem One Health, que  reconhece que a saúde das pessoas, dos animais, das plantas e do meio ambiente são interdependentes.

O velho ditado "melhor prevenir do que remediar" se aplica à resistência antimicrobiana. Medidas preventivas, como a melhoria da água, do saneamento e da higiene, assim como a criação de marcos regulatórios internacionais e nacionais sólidos para impor controles sobre a venda e a distribuição de antibióticos, contribuirão muito para a redução da resistência antimicrobiana.

Que responsabilidades os governos têm para combater a RAM?

A resistência antimicrobiana é um problema global; para tanto, a cooperação internacional entre as nações é essencial. O desenvolvimento de planos de ação nacionais com múltiplas partes interessadas é fundamental. Os países também devem trabalhar juntos em estratégias, compartilhamento de informações e vigilância do uso e resistência antimicrobiana. Todavia, resolver a crise da RAM não depende apenas dos governos. As empresas farmacêuticas, a indústria química, os reguladores, os governos municipais, os profissionais e os estudantes de saúde humana e animal, os cientistas e o público têm um papel a desempenhar.

"A resistência antimicrobiana  explora as ligações críticas entre humanos, animais e o meio ambiente", disse Álvarez, do PNUMA. "É por isso que encontrar soluções para a RAM requer que todas as partes interessadas – de líderes mundiais e profissionais de saúde a funcionários da indústria farmacêutica e de alimentos – trabalhem juntas para evitar seu desenvolvimento e disseminação."

O que o PNUMA está fazendo em relação à resistência antimicrobiana?

Existem cada vez mais provas de que o meio ambiente desempenha um papel fundamental no desenvolvimento, transmissão e disseminação da resistência antimicrobiana. O PNUMA, como principal autoridade ambiental global, está trabalhando para fornecer evidências baseadas na ciência que possam informar as estratégias sobre a RAM e garantir que as dimensões ambientais sejam adequadamente refletidas na resposta One Health à resistência antimicrobiana.

Em fevereiro de 2023, o PNUMA lançou o relatório Preparando-se para os supermicróbios, que oferece uma visão geral das descobertas científicas sobre a resistência antimicrobiana e soluções para prevenir sua disseminação.

Além disso, o PNUMA uniu forças com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH) para formar a Aliança Quadripartida. Ao enfatizar a abordagem One Health, ele visa otimizar a saúde das pessoas, dos animais, das plantas e do meio ambiente como um todo. A parceria coordena uma resposta global e multissetorial à resistência antimicrobiana, promove uma forte governança e liderança e apoia os países no desenvolvimento e implementação de planos de ação nacionais sobre a resistência antimicrobiana.

 

O trabalho do PNUMA sobre poluição e resíduos

Para combater o impacto generalizado da poluição na sociedade, o PNUMA lançou a #CombataAPoluição, uma estratégia para uma ação rápida, em larga escala e coordenada contra a poluição do ar, da terra e da água. A estratégia destaca o impacto da poluição nas mudanças climáticas, na perda da natureza e biodiversidade e na saúde humana. Por meio de mensagens baseadas na ciência, a campanha mostra como a transição para um planeta livre de poluição é vital para as gerações futuras.

Sobre a Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana

A Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana é uma campanha global que é celebrada anualmente para melhorar a conscientização e a compreensão da resistência antimicrobiana e incentivar as melhores práticas entre o público, as partes interessadas da One Health e os formuladores de políticas, os quais desempenham um papel crítico na redução da emergência e disseminação da resistência antimicrobiana.  O tema global da 4ª Semana Mundial da Resistência Antimicrobiana é "Prevenir a resistência antimicrobiana em conjunto" - mantendo o objetivo de abordar a resistência antimicrobiana de forma coordenada, de múltiplas partes interessadas, multidisciplinar e inclusiva.