Essas foram as palavras usadas em 2022 para descrever o recém-assinado Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, um amplo pacto para proteger e restaurar o mundo natural.
Cerca de 14 meses depois, os países estão em uma corrida contra o relógio para implementar o acordo, o qual ocorre em um momento em que a Terra está à beira da maior extinção em massa desde a época dos dinossauros.
"Esta é nossa última chance de superar a crise que a natureza enfrenta", diz Neville Ash, Diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - Centro Mundial de Monitoramento da Conservação (UNEP-WCMC). "Temos apenas alguns anos para garantir que possamos sustentar a vida na Terra como a conhecemos."
No final deste mês, os delegados se reunirão no Quênia para a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-6), o principal órgão de tomada de decisão sobre meio ambiente do mundo. Entre as questões que se espera que eles discutam está como transformar as ambições do Marco Global da Biodiversidade em ações concretas.
Antes do evento, conversamos com Ash sobre a importância do acordo e se os países estão posicionados para cumprir suas promessas.
Por que o mundo precisa agir rapidamente para implementar o Marco Global da Biodiversidade?
Neville Ash (NA): Neste momento, a humanidade está empurrando 1 milhão de espécies para a extinção. Estamos diante da sexta extinção em massa do mundo; a quinta foi a dos dinossauros.
Essa crise da natureza está minando a segurança alimentar, o nosso bem-estar e o fornecimento de commodities fundamentais, como a madeira. Estamos vendo o crescimento de pragas e doenças de ecossistemas desequilibrados, ao lado de perdas culturais incalculáveis.
Essas mudanças no mundo natural estão acontecendo mais rápido do que em qualquer outro momento da história da humanidade. As suas consequências atingem o coração das nossas sociedades e das nossas economias.
Esta não é a primeira vez que os países do mundo prometem proteger a natureza. Um acordo anterior, as Metas de Biodiversidade de Aichi, terminou com "progresso limitado". O que torna esse novo marco diferente?
NA: Desta vez, há muito mais foco na ação em todo o governo e na sociedade, e uma ênfase maior na transparência dos avanços. Ao contrário dos acordos anteriores, existem vários indicadores comuns, sobre os quais todos os países concordaram em informar. Esses indicadores abrangem desde o estado da biodiversidade até os recursos que estão sendo alocados para sua conservação e uso sustentável. Isso dará uma compreensão mais consistente do progresso internacional com base nas ações tomadas em nível nacional.
Algumas das metas mais ambiciosas do marco estão previstas para 2030. Isso inclui proteger 30% da Terra, restaurar 30% dos ecossistemas degradados e gerar US$ 200 bilhões anuais em financiamento favorável à natureza. É possível alcançar tudo isso em seis anos?
NA: Sim. Mas precisamos agir agora, para que haja alguma esperança de atingir essas metas. Na maioria dos países, as metas da estrutura abrangem muitos ministérios, portanto, o engajamento em todo o governo é extremamente importante.
Os governos, por si só, não conseguem cumprir as ambições do Marco Global de Biodiversidade. O setor privado, grupos da sociedade civil e povos indígenas também têm contribuições importantes a dar. Esse processo de adesão leva tempo. O avanço para proteger 30% do planeta não pode ser feito na véspera do Ano Novo de 2029.
Há perigo em os países apressarem a aprovação dos seus planos nacionais de biodiversidade?
NA: Sim. Embora devamos reconhecer a urgência de responder à crise da biodiversidade, é importante não trocar a robustez pela velocidade. Se os países desenvolverem metas nacionais realmente ambiciosas, mas não se engajarem entre os governos e com a sociedade como um todo, eles não terão esperança de cumprir suas ambições.
Cerca de meia dúzia de países divulgaram planos nacionais descrevendo como cumprirão as metas do marco. O prazo final para os planos é outubro. Já estamos vendo algum resultado tangível?
NA: Muitos dos planos nacionais ainda estão em fase inicial, mas os países não ficaram parados esperando que o Marco Global da Biodiversidade fosse adotado. Nos últimos anos, assistimos à expansão das áreas protegidas, à reforma dos subsídios prejudiciais ao meio ambiente e a mudanças nas políticas agrícolas. Quando os planos nacionais forem adotados, assistiremos a um aumento ainda maior das ações.
Como são os planos nacionais robustos de biodiversidade?
NA: Eles reúnem uma abordagem de todo o governo para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade. Eles reconhecem as principais dependências de nossas economias e sociedades em relação à natureza. E visam ações para lidar com os impulsionadores da perda de biodiversidade e para garantir que todas as pessoas se beneficiem da natureza.
Por exemplo, como a agricultura é o principal impulsionador da perda de biodiversidade na maior parte do mundo, os planos devem apoiar sistemas alimentares mais sustentáveis. Esses planos também devem reconhecer os direitos e a gestão da biodiversidade pelos povos indígenas. Finalmente, planos robustos de biodiversidade requerem planos financeiros nacionais e sistemas nacionais de monitoramento.
Houve resistência em relação ao marco. Alguns alegaram que suas metas – especialmente em torno de proteger 30% da Terra – impedirão o crescimento econômico ao restringir a extração de madeira, a mineração e outras indústrias que geram muitos empregos. O que você acha desse argumento?
NA: O argumento não leva em conta o fato de que nossas economias dependem da natureza, nossas cadeias de suprimentos dependem da natureza, nossa saúde depende da natureza. Todo o produto interno bruto do mundo depende, em última análise, da natureza. Temos que olhar para a biodiversidade como um investimento, não como um custo.
Você está otimista sobre o futuro do mundo natural?
NA: Sim. Houve um enorme impulso gerado pelo Marco Global de Biodiversidade. Estou particularmente encorajado pelos campeões do setor público e pelo empenho e ação do setor privado. Contudo, precisamos acelerar a ação em grande escala se quisermos ser bem sucedidos no cumprimento das ambições globais para a natureza.
A sexta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-6) será realizada de 26 de fevereiro a 1º de março de 2024 na sede do PNUMA em Nairóbi, no Quênia, sob o tema: Ações multilaterais eficazes, inclusivas e sustentáveis para combater as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição. Por meio de suas resoluções e chamadas à ação, a Assembleia fornece liderança e catalisa a ação intergovernamental sobre o meio ambiente.