Uma entrevista com James Lomax, especialista em sistemas alimentares do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Conte-nos sobre sua formação e interesses profissionais.
Antes de ingressar no PNUMA, trabalhei na produção e agricultura comercial de alimentos na Europa e na África Oriental. O caráter essencial deste trabalho foi a sustentabilidade em um ambiente comercial. Tínhamos grupos de produtores terceirizados fornecendo produtos frescos para o mercado. Desde que ingressei no PNUMA, vi que, embora a agricultura e a produção sustentáveis de alimentos sejam um elemento fundamental de um futuro sustentável, isso é apenas parte do cenário. Então, meu interesse tem sido olhar para os sistemas de alimentos e agricultura como um todo.
Mais de 820 milhões de pessoas estão desnutridas. O que podemos fazer para melhorar essa situação?
Os sistemas alimentares atuais estão falhando em termos de meios de subsistência, saúde humana e meio ambiente. Temos que olhar além da ideia de que mais comida no mundo e maior produtividade resolverão nossos problemas. Os sistemas locais e nacionais de alimentos precisam ser fortalecidos para se adaptar à crise climática e se prepararem para fornecer dietas diversas aos consumidores em comunidades com insegurança alimentar. A diversidade de dietas pode ajudar os agricultores a diversificar seus riscos, abrir mercados para culturas alimentares diferentes, quebrar sua dependência de culturas comerciais e aumentar a biodiversidade e a resiliência.
Enquanto centenas de milhões estão subnutridos, 672 milhões de pessoas sofrem de obesidade e outras 1,3 bilhão estão acima do peso. Como podemos mudar isso?
A obesidade é uma questão incrivelmente complexa. No entanto, existe uma ligação clara entre os sistemas alimentares atuais, os alimentos que estamos produzindo, seus preços e a obesidade, entre outras doenças não transmissíveis, como a diabetes tipo 2. O problema é que nossos sistemas alimentares estão dominados por cada vez menos culturas, que conduzem a resultados negativos para os sistemas alimentares. Mudanças nos gostos de uma crescente classe média global, bem como a comoditização de nossos sistemas alimentares, muitas vezes moldados por subsídios agrícolas, significa que as pessoas comem menos diversamente do que antes. Isso resulta no cultivo excessivo de terras aráveis, degradando os solos, liberando carbono e prendendo os agricultores em sistemas de produção não rentáveis.
E os subsídios agrícolas - eles estão nos ajudando ou dificultando?
Enquanto a ciência nos aponta em uma direção, muitas vezes as políticas alimentares e agrícolas nos levam na direção contrária. O mundo gasta cerca de 1 milhão de dólares por minuto em subsídios agrícolas que muitas vezes causam perda de biodiversidade e mudanças climáticas. Vemos que cerca de dois terços desses subsídios estão influenciando negativamente os meios de subsistência, o meio ambiente e nossa saúde a longo prazo. Podemos reprogramá-los para regenerar a agricultura e a restauração, levando à segurança e nutrição alimentar a longo prazo. Há uma nova tecnologia incrível que ajuda grandes fundos a ajudar pequenos agricultores por meio da blockchain, por exemplo. Portanto, agora temos a arquitetura para permitir que até os pequenos agricultores acessem o capital, mas ainda é necessário investimento. O poder único das Nações Unidas é reunir, dar orientações políticas claras, incentivar as tendências do mercado e a mudança de políticas fiscais.
Como o PNUMA pode ajudar a trazer mudanças?
O PNUMA deve defender mudanças não apenas com nossos parceiros tradicionais, como os ministérios do meio ambiente, mas também com outros ministérios e em todo o sistema alimentar, se quisermos criar negócios diferentes. Não adianta mais que os ministérios trabalhem isoladamente. Temos que capacitar os governos a começar a considerar a alimentação e a agricultura algo que precisa ser pensado pelos funcionários públicos de saúde pública, formuladores de políticas agrícolas, ministérios da água e do meio ambiente e, também, ministérios de planejamento e finanças. Estamos chamando isso de "abordagem de sistemas alimentares". É mais fácil falar do que fazer, pois as pessoas acham mais fácil trabalhar de forma independente do que em conjunto. Mas imagine se a política alimentar fosse desenvolvida juntamente pelos ministérios da saúde, agricultura e meio ambiente - então as trocas e sinergias seriam imediatamente identificadas e abordadas antes que o impacto fosse visto. Se continuarmos destruindo as bases naturais do nosso sistema alimentar, pela forma como e pelo quê produzimos e consumimos, o direito humano à alimentação continuará sendo violado.
Os países em desenvolvimento possuem sistemas alimentares completamente diferentes dos países desenvolvidos. O que isso nos diz sobre os sistemas alimentares globais?
Bem, você ficaria surpreso. Embora os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento ainda possuam sistemas alimentares diferentes, a ocidentalização das dietas em direção a alimentos mais processados e menos diversificados também está afetando os países emergentes. Dito isto, sim, seus sistemas alimentares são diferentes: um tende a ser altamente organizado e dominado por grandes produtores, fabricantes e varejistas, e o outro tende a ser constituído principalmente de pequenos agricultores e cadeias de fornecimento menores, e disponibilização de alimentos mais diversificados em mercados informais. No entanto, descobrimos que a análise desses dois sistemas alimentares pode indicar diferentes prioridades de ação em cada país. Por exemplo, a prioridade da ação dos sistemas alimentares em um país emergente pode ser o combate às perdas pós-colheita e ao uso de pesticidas, enquanto que em um país desenvolvido pode ser a degradação da terra causada pelas monoculturas contínuas ou pelo desperdício de alimentos.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, o desperdício de alimentos custa uma média anual global de US $ 2,6 trilhões, ou aproximadamente o equivalente ao Produto Interno Bruto da França. Reduzir pela metade o desperdício de alimentos até 2030 é um objetivo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Existem vitórias rápidas na luta contra o desperdício de alimentos?
Estimular um melhor comportamento do consumidor em casa e nas compras, juntamente com a responsabilização dos supermercados de tomarem ação, pode ter um impacto enorme - embora eu não tenha certeza de que possa ser considerado uma vitória rápida.
Para mais informações, entre em contato com James Lomax: James.Lomax@un.org