Perda de biodiversidade sem precedentes, poluição, mudança climática e o aumento de doenças zoonóticas mostraram a relação simbiótica entre os seres humanos e a natureza. O direito humano a um meio ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável, assim como outros direitos humanos, só podem ser cumpridos onde a biodiversidade prospera e os ecossistemas são saudáveis.
As obrigações dos Estados na intersecção entre direitos humanos e biodiversidade são definidos por leis internacionais de direitos humanos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD). De acordo com esses compromissos e as responsabilidades que abrangem, os Estados têm 13 obrigações-chave.
1. Endereçar a biodiversidade e a perda de habitat e prevenir seus impactos negativos sobre os direitos humanos.
Os Estados devem tomar medidas urgentes para lidar com a perda da biodiversidade, perda de habitat e extinção de espécies, por causa de seu impacto negativo sobre os direitos humanos. Isso inclui acabar com o desmatamento; proteger e conservar terras e oceanos; mudança para padrões sustentáveis de produção e consumo; combate às mudanças climáticas e à poluição; prevenir a introdução de espécies exóticas invasoras; e proteger a posse da terra e o uso de recursos dos povos indígenas, comunidades tradicionais, mulheres e meninas.
2. Garantir igualdade e não discriminação.
Por afetar alguns mais gravemente do que outros, a perda da biodiversidade pode ampliar as desigualdades que já existem entre indivíduos, grupos e até gerações - com as gerações futuras herdando os resultados irreversíveis da degradação ambiental. As ações para lidar com a biodiversidade e a perda de habitat devem, portanto, considerar a idade, o gênero e as vulnerabilidades - como pobreza, deficiência ou marginalização - e não exacerbar as disparidades existentes.
3. Proteger os direitos dos povos indígenas.
Em função de sua estreita relação com a natureza, os povos indígenas são fortemente afetados pela perda da biodiversidade e estão entre os mais bem posicionados para evitá-la. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP, na sigla em inglês) afirma o direito dos povos indígenas de conservar e proteger suas terras, territórios e recursos. Isso significa que as ações de conservação com potencial impacto sobre os direitos humanos devem ser realizadas em consulta com os povos indígenas e com seu consentimento livre, prévio e informado, e devem apoiar sua participação na gestão e apropriação dos esforços correspondentes.
4. Proteger defensores dos direitos humanos ambientais.
As pessoas que tomam medidas para proteger a biodiversidade, a vida selvagem, os habitats, os direitos humanos e os meios de subsistência que dependem de uma conexão com a natureza, estão sujeitos a ameaças, violência, criminalização e retaliação, com impactos específicos sobre mulheres e meninas, além de defensores indígenas. Instrumentos incluindo o PIDCP e a Declaração das Nações Unidas sobre Defensores dos Direitos Humanos exigem que os Estados respeitem, protejam e cumpram os direitos dos defensores de direitos humanos ambientais à participação, acesso à informação, liberdade de expressão, reunião e associação. Os Estados também são obrigados a agir contra ameaças à vida ou ao bem-estar de defensores do meio ambiente; fornecer acesso à justiça e reparação efetiva quando seus direitos forem violados; e conduzir investigações oportunas, processando os responsáveis pela violência e intimidação.
5. Garantir a equidade nas ações para lidar com a perda de biodiversidade e no uso dos benefícios da biodiversidade.
Ações devem levar em conta as necessidades das crianças, jovens e gerações futuras - que tiveram um pequeno ou nenhum papel para impulsionar a perda de biodiversidade e habitat, mas não têm escolha a não ser viver com suas consequências. A CDB e o Protocolo de Nagoia enfatizam que os benefícios da biodiversidade devem ser compartilhados de forma equitativa, transparente e responsável. Isso leva em consideração a igualdade de direitos e as diferentes necessidades dos povos indígenas, comunidades tradicionais e todas as pessoas, independentemente de seu gênero.
6. Garantir participação significativa e informada, incluindo governança interna e de recursos.
O direito à participação livre, ativa, significativa e informada nos assuntos públicos é garantido pelo PIDCP, a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento e outros instrumentos internacionais, acordos ambientais multilaterais e leis e políticas nacionais. Isso significa que os Estados devem fornecer informações públicas sobre a biodiversidade em uma linguagem e formato acessíveis; prever e facilitar a participação pública, levando em consideração as barreiras enfrentadas pelos povos indígenas, comunidades locais, crianças, pessoas com deficiência e pessoas em situação de marginalização; e realizar todas as políticas relacionadas de maneira transparente e responsável.
7. Assegurar responsabilidade e reparação eficaz para danos aos direitos humanos causados pela perda de biodiversidade e de habitat.
Os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos articulam as obrigações dos Estados de garantir o acesso à justiça e à reparação eficaz quando ocorrem violações ou abusos de direitos humanos, incluindo aqueles cometidos por empresas. Os acordos regionais, incluindo a Convenção de Aarhus e o Acordo de Escazú, tratam especificamente do acesso à justiça em questões ambientais. Da mesma forma, os mecanismos de responsabilização a nível nacional devem garantir o acesso à justiça e reparação para a perda de biodiversidade e danos associados aos direitos humanos. Globalmente, os danos aos direitos humanos relacionados ao meio ambiente devem ser incluídos nas revisões dos órgão de tratados da ONU, no processo de Revisão Periódica Universal, no trabalho de Procedimentos Especiais e nas revisões baseadas em direitos da conformidade do estado com a CDB e acordos relacionados.
8. Proteger contra danos aos direitos humanos relacionados a negócios decorrentes da perda de biodiversidade.
Conforme refletido nos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, todas as empresas têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos. Isso inclui evitar sua violação por meio da perda de biodiversidade e facilitar a reparação de quaisquer danos causados ou contribuídos dessa forma. De acordo com o direito internacional, os Estados são obrigados a se proteger contra abusos dos direitos humanos por parte das empresas e devem exigir uma avaliação de todos os impactos sociais, ambientais e aos direitos humanos dos projetos propostos que possam afetar a biodiversidade. Quando ocorrem violações dos direitos humanos - incluindo aquelas resultantes da perda de habitat e biodiversidade - os Estados devem responsabilizar as empresas e garantir que as pessoas afetadas tenham acesso à reparação eficaz.
9. Assegurar a cooperação regional e internacional.
A proteção efetiva da biodiversidade requer cooperação e solidariedade internacional. Instrumentos incluindo a Carta das Nações Unidas, o PIDESC, o PIDCP e o UNDRIP exigem que os Estados cooperem na realização de todos os direitos humanos, abordando as lacunas na proteção e danos transfronteiriços e extraterritoriais. Além disso, a capacidade dos países em desenvolvimento de implementar seus compromissos com a biodiversidade depende do compartilhamento de recursos e da transferência de tecnologia dos países desenvolvidos. Os Estados devem, portanto, estabelecer e fortalecer mecanismos e recursos para lidar com as causas e impactos transfronteiriços da biodiversidade e da perda de habitat.
10. Mobilizar efetivamente recursos adequados para prevenir danos aos direitos humanos causados pela perda de biodiversidade.
O PIDESC exige que os Estados dediquem o máximo de recursos disponíveis para a garantia de direitos econômicos, sociais e culturais. Isso inclui a proteção da biodiversidade, porque a biodiversidade é necessária para garantir ecossistemas saudáveis, e ecossistemas saudáveis são necessários para garantir os direitos à vida, à saúde e ao sustento de bilhões de pessoas em todo o mundo. Os Estados são obrigados a atuar tanto individual quanto coletivamente, tornando a cooperação internacional e a assistência financeira imperativas.
11. Garantir que todas as pessoas desfrutem dos benefícios da ciência e de suas aplicações.
De acordo com o PIDESC, todas as pessoas têm o direito de desfrutar dos benefícios da ciência e de suas aplicações. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas afirma o valor dos sistemas de conhecimento tradicionais e abordagens holísticas. A CDB compromete os Estados a respeitar e manter o conhecimento, as inovações e as práticas das comunidades indígenas e locais em relação à conservação e uso sustentável da diversidade biológica. Em particular, os Estados devem apoiar o uso do conhecimento tradicional com o consentimento dos povos indígenas envolvidos, garantindo que todos os benefícios econômicos sejam compartilhados de forma equitativa; e apoiar a transferência de métodos e tecnologia para uma resposta internacional eficaz à perda de biodiversidade.
12. Garantir educação com respeito à natureza.
O PIDCP garante o direito de todas as pessoas à informação e a Convenção sobre os Direitos da Criança exige que a educação promova o respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pelo meio ambiente. Compreender os direitos humanos e o meio ambiente é essencial para garantir a dignidade humana, o bem-estar e a sobrevivência; e requer a participação informada de todas as pessoas. Os Estados devem, portanto, garantir o direito de todas as pessoas à educação - tendo o respeito pela natureza em sua essência - e às informações necessárias para protegê-la.
13. Respeitar e proteger a natureza por todos os seus valores.
Viver em harmonia com a natureza até 2050 requer a transformação total da relação da humanidade com a natureza. Os diversos valores da natureza e a relação entre a diversidade cultural e linguística biológica e humana devem ser mais bem compreendidos e devidamente refletidos nas políticas. Um ambiente natural próspero junto com a diversidade humana não é apenas a melhor receita de longo prazo para a resiliência e a sobrevivência humana. É um pré-requisito para viver com dignidade e na plena realização dos direitos humanos.