Pjoto: UN Photo/Martine Perret
23 Nov 2023 Reportagem Chemicals & pollution action

O que está alimentando a crise mundial de resistência antimicrobiana?

A resistência antimicrobiana (RAM) é uma das maiores ameaças à saúde global. Ela foi associada a cerca de cinco milhões de mortes em 2019 e, se não for controlada, pode ter um impacto catastrófico para as pessoas e a economia. Uma pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) mostra que isso poderia reduzir US$ 3,4 trilhões do PIB anualmente e levar 24 milhões de pessoas para a pobreza extrema na próxima década.

A poluição dos setores farmacêutico, agrícola e de saúde é um dos principais impulsionadores da RAM, que ocorre quando bactérias, vírus, fungos e parasitas evoluem ao longo do tempo e desenvolvem a capacidade de derrotar os medicamentos projetados para os combater.

Um estudo recente descobriu que mais de ¼ dos cerca de 258 rios ao redor do mundo foram poluídos com drogas em um nível tóxico. As maiores concentrações de ingredientes farmacêuticos ativos foram encontradas na África Subsaariana, Sul da Ásia e América do Sul.

"Limitar o surgimento e a disseminação da resistência antimicrobiana é fundamental para preservar a capacidade de tratar doenças, reduzir os riscos de segurança alimentar, combater as desigualdades e proteger o meio ambiente", disse Jacqueline Álvarez, chefe da Divisão de Produtos Químicos e Saúde do PNUMA. "A RAM é uma crise complexa e interconectada. Requer medidas preventivas e de gestão com uma abordagem 'One Health' que reconheça que a saúde das pessoas, dos animais, das plantas e do meio ambiente estão intimamente ligadas e interdependentes."

Para marcar a Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência aos Antimicrobianos, que acontece de 18 a 24 de novembro todos os anos, aqui está uma cartilha sobre o que está impulsionando a disseminação da RAM.

1. Uso indevido de antibióticos

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O não cumprimento das doses prescritas de antibióticos pode levar à disseminação da RAM. Foto: PNUMA/Lisa Murray

O uso excessivo e inadequado de antibióticos pode levar a cepas de bactérias resistentes a antibióticos. As pessoas podem usar inadequadamente os antibióticos ao não completar o curso prescrito deles, ao usar a dosagem incorreta ou terem antibióticos prescritos desnecessariamente. Essa abordagem aleatória, juntamente ao descarte inadequado de medicamentos, permite que bactérias mais resistentes prosperem, multipliquem-se e potencialmente levem ao desenvolvimento de superbactérias que são difíceis, talvez impossíveis, de tratar com antibióticos existentes.

O uso indevido de antibióticos no setor pecuário, na aquicultura, nos animais de companhia e na produção agrícola também é uma grande preocupação, com risco para o desenvolvimento e a disseminação de microrganismos resistentes a antibióticos.

2. Falta de acesso a água potável e saneamento

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Pessoas em áreas sem acesso confiável à água potável correm um risco maior de beber de fontes contaminadas. Foto: Departamento de Desenvolvimento Internacional/Vicki Francis

A pobreza, a falta de água potável e o saneamento precário agravam a RAM. As pessoas que vivem em locais com acesso limitado à água, saneamento e higiene correm maior risco de entrar em contato com água contaminada que pode carregar uma variedade de patógenos, incluindo bactérias resistentes a antibióticos. Os animais também são mais suscetíveis a doenças quando as condições de higiene são precárias.

A RAM também exacerba as desigualdades dentro das sociedades. Grupos vulneráveis, incluindo mulheres, crianças, migrantes, refugiados e aqueles que vivem em assentamentos informais, são particularmente vulneráveis a infecções resistentes a medicamentos e podem ter menos acesso aos sistemas de saúde. O esgoto descontrolado e não tratado agrava o problema.

Limitar a emergência e a disseminação da RAM é fundamental para preservar a capacidade de tratar doenças, reduzir os riscos de segurança alimentar, combater as desigualdades e proteger o meio ambiente.

 

Jacqueline Álvarez, UNEP

3. Poluição das empresas farmacêuticas e da agricultura

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Em muitos lugares, a agricultura tem alimentado a disseminação da resistência antimicrobiana. Foto: PNUMA/Lisa Murray

A poluição causada pela indústria farmacêutica, pela pecuária, pela aquicultura, pela produção agrícola intensiva e pelo setor da saúde são os principais impulsionadores da RAM. Ainda que a indústria farmacêutica tenha ajudado a melhorar a saúde pública, os resíduos não tratados ou inadequadamente tratados das fábricas de medicamentos muitas vezes acabam no meio ambiente, contribuindo para o acúmulo de micróbios resistentes a medicamentos. O descarte inadequado de medicamentos não utilizados e vencidos também alimenta a disseminação da RAM.

O uso excessivo de medicamentos na agricultura continua sendo uma preocupação, já que agricultores em todo o mundo continuam a depender de antibióticos para manter a saúde dos animais e, em alguns casos, promover seu crescimento. Enquanto isso, até 75% dos antibióticos usados na aquicultura ou hidrocultura podem ser perdidos no ambiente ao redor. Fungicidas, antibióticos e outros produtos químicos usados nas plantações são geralmente aplicados diretamente no meio ambiente e poderiam resultar em maiores concentrações locais desses poluentes com efeitos posteriores sobre a resistência antimicrobiana.

4. Movimento em massa de pessoas

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Passageiros aguardando na sala de embarque 3 do Aeroporto Schiphol. Foto: Sem Van Der Wal/ANP Via AFP

A rápida globalização resultou em um número crescente de pessoas e bens que atravessam fronteiras. Só em 2019, um recorde de 4,5 bilhões de pessoas viajaram de avião. O movimento em massa de pessoas pode contribuir para a carga de resistência antimicrobiana, permitindo que microrganismos resistentes viajem de um lado do mundo para o outro. Uma pesquisa mostrou que as bactérias resistentes a antibióticos transportadas por humanos podem persistir por até 12 meses após a viagem, contribuindo ainda mais para o risco de transmissão de RAM.

Para complicar a situação, de acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), existem atualmente 110 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo. Muitos deles não têm acesso a direitos básicos, incluindo moradia adequada, saúde, água e saneamento, que são fatores que aumentam a propagação da RAM.

5. Mudanças climáticas e perda de biodiversidade

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Foto: PNUMA/Miranda Grant

A crise climática está exacerbando a resistência antimicrobiana. Eventos climáticos extremos, como inundações e aumento das temperaturas, ajudam a proliferar micróbios no meio ambiente. As inundações podem fazer com que as águas residuais e os esgotos cheios de micróbios resistentes a antimicrobianos sobrecarreguem as estações de tratamento e contaminem as áreas ao redor. A perda de biodiversidade piora a RAM, diminuindo a riqueza de espécies vegetais que podem ser a chave para medicamentos que podem tratar infecções agora resistentes a medicamentos.

Sobre a Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana

A Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana (WAAW, na sigla em inglês) é uma campanha global celebrada anualmente para melhorar a conscientização e a compreensão da RAM e incentivar as melhores práticas entre o público, as partes interessadas da One Health e os formuladores de políticas, que desempenham um papel crítico na redução da emergência e disseminação da RAM. O tema global da 4ª Semana Mundial da RAM é "Prevenir a resistência antimicrobiana em conjunto", mantendo o objetivo de abordar a RAM de forma coordenada,  com diversas partes interessadas, multidisciplinar e inclusiva.

O trabalho do PNUMA sobre poluição e resíduos

Para combater o impacto generalizado da poluição na sociedade, o PNUMA lançou a #CombataAPoluição, uma estratégia para uma ação rápida, em larga escala e coordenada contra a poluição do ar, da terra e da água. A estratégia destaca o impacto da poluição nas mudanças climáticas, na perda da natureza e da biodiversidade e na saúde humana. Por meio de mensagens baseadas na ciência, a campanha mostra como a transição para um planeta livre de poluição é vital para as gerações futuras.