De acordo com a última avaliação da Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, 75% da terra, 66% dos oceanos e 85% das áreas úmidas de nosso planeta foram impactadas negativamente pela atividade humana. Os relatórios das Nações Unidas também estão lançando sinais de alarme sobre a crise climática e os pontos de ruptura a partir dos quais podemos não ser capazes de reabilitar a capacidade de nosso planeta de fornecer bens e serviços vitais que sustentam a vida.
Para construir conhecimento sobre como a natureza funciona para fornecer bens e serviços à humanidade, a campanha Selvagem Pela Vida do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) levará os usuários em uma jornada interativa para aprender sobre 4 ecossistemas distintos - marinho, turfeiras, savanas e florestas - por que eles são cruciais para o bem-estar humano, por que eles estão sob ameaça e o que podemos fazer para ajudar.
A última jornada apresenta um ecossistema único: As Turfeiras, que filtram água doce, nutrem plantas medicinais, protegem a terra das enchentes e capturam e armazenam enormes quantidades de carbono. Embora as turfeiras cubram apenas 3% da superfície do planeta, elas armazenam o dobro de carbono do que todas as florestas do mundo juntas!
O cenário para a jornada interativa pelas Turfeiras, da campanha Selvagem Pela Vida, é globalmente significativo, como a Turfeiras da Península Mitre, no Cone Sul da América do Sul. O arquipélago da Terra do Fogo representa a parte mais meridional das turfeiras de Magalhães (charneca). A ilha principal, Isla Grande de Tierra del Fuego, está dividida entre o Chile, no oeste, e a Argentina, no leste. As condições oceânicas e a direção do vento SW prevalecem no sul da Terra do Fogo, onde uma cordilheira alinhada leste-oeste domina a paisagem.
O PNUMA fala com a Patrona de Áreas Protegidas, Kristine Tompkins, e com o Patrono de Oceanos, Lewis Pugh, sobre a importância das turfeiras. Ambos estiveram nesta parte remota do mundo e estão na linha de frente da defesa de áreas protegidas, através das Fundações Tompkins e Lewis Pugh.
PNUMA: Kristine, você protegeu e fez reintrodução de fauna em milhões de hectares no Chile e na Argentina. Como você foi originalmente inspirada a fazer isso?
Na verdade, em 1992, meu marido Douglas Tompkins foi quem percebeu plenamente que podíamos participar do movimento global de conservação criando projetos de conservação público-privados com o resultado final de estabelecer novos parques nacionais no Chile e na Argentina. Portanto, pode-se dizer que me inspirei na capacidade de meu marido de imaginar a criação de áreas permanentemente protegidas em larga escala. Desde que começamos, a Tompkins Conservation não parou de criar novos parques e reabilitar essas áreas em ambos os países.
UNEP: Lewis você tem defendido as áreas marinhas protegidas nas Regiões Polares. Por que você arrisca sua vida neste empreendimento? Passei mais de 30 anos nadando nos oceanos, e os vi mudarem drasticamente. As maiores mudanças foram nas regiões polares, onde testemunhei o aquecimento dos mares, o recuo das geleiras, o derretimento do permafrost e o desaparecimento do gelo marinho. Estas mudanças terão impacto em todas as pessoas e em todo o reino animal. As mudanças climáticas se acelerarão rapidamente se não protegermos ecossistemas cruciais como as turfeiras, que capturam tanto carbono. Não posso ficar parado e assistir ao seu desdobramento.
UNEP: Como você chegou a conhecer e amar esta área remota?
Kristine: Quando Douglas estava treinando como piloto de esqui no início dos anos 60 no Chile e na Argentina, ele conheceu bastante bem o Cone Sul. Eu segui no início dos anos 90, e ambos nos apaixonamos pela região, mas mais importante, vimos que a diversidade de paisagens, desde as florestas temperadas do que é hoje o Parque Nacional Pumalin Douglas Tompkins, até as extensas pastagens da Patagônia. Mais recentemente, diante das severas mudanças climáticas, estamos nos concentrando na importância das turfeiras, especialmente na Terra do Fogo chilena e argentina. Como exemplo disso, a Península Mitre, com quase 84% das turfeiras argentinas, é especialmente importante como o ponto de captura de carbono mais importante do país.
Lewis: A maioria de minhas expedições na Antártida partiu da Patagônia. Portanto, é lá que eu faço meu último treinamento em água fria. O Canal Beagle é o lugar perfeito para treinar para um mergulho na Antártida. A água é gelada, mas não tão fria que seja impossível de treinar. O campo de gelo de Darwin, cujas pontas glaciais atingem o nível do mar nos fiordes do Canal Beagle e do Estreito de Magalhães, está localizado aqui.
Cada vez que passo pela Patagônia digo a mim mesmo que preciso passar mais tempo aqui, é simplesmente tão bonito! Eu apoio fortemente a ligação de áreas protegidas terrestres e marítimas, como o que está sendo proposto nas turfeiras da Península Mitre.
UNEP: Qual é o momento de destaque em tudo o que você fez?
Kristine: Oh, isto é muito difícil de dizer! Certamente, as doações finais do parque nacional há dezoito meses no Chile, a maior doação de conservação da história, tem que permanecer como uma delas, mas temos a sorte de ter cumprido a maioria de nossas grandes metas de conservação nos últimos 28 anos. Estou sempre orgulhoso de nossas equipes e das relações que forjamos com os governos em todos os casos!
Lewis: Teria que estar ajudando a estabelecer a Área Marinha Protegida do Mar de Ross na Antártica. O mergulho que fiz lá em 2015, para destacar a importância de proteger este mar, foi o mais difícil que já fiz - para não mencionar o mais frio! Depois disso, tive que viajar entre várias capitais por 2 anos para conseguir a aprovação do acordo final. Foi cansativo. Mas o Mar de Ross é um dos ecossistemas mais importantes do planeta. Com 1,5 milhões de km2, o MPA do Mar de Ross é agora a maior área protegida do mundo. Para colocá-lo em perspectiva, é o tamanho do Reino Unido, França, Alemanha e Itália juntos.
UNEP: Como as pessoas comuns podem encontrar seu próprio propósito para fazer mudanças transformadoras?
Kristine: O primeiro, e talvez o mais difícil, é simplesmente decidir participar do movimento para mudar nossa relação com a natureza, e formar comunidades mais saudáveis e dignas. Sem este compromisso, vamos cair de novo na inação muito rapidamente.
Como em todas as coisas na vida, é preciso se comprometer com algo e nunca deixá-lo ir - neste caso, saia da cama todos os dias e faça algo por aquelas coisas que você ama, aquelas que você considera verdadeiras. Há milhões de pessoas que trabalham na conservação e cada um de nós é comum, mas estamos empenhados em fazer a nossa parte. Já passamos do ponto em que não fazer nada é aceitável!
Lewis: Acredito que começa com o conhecimento ambiental, para que entendamos o impacto de nossas ações no mundo ao nosso redor. Por exemplo, cada compra que você faz é uma decisão sobre o futuro que você quer deixar para seus filhos. Os alimentos que comemos, as roupas que vestimos, a maneira como viajamos, a maneira como construímos e aquecemos nossas casas - tudo isso tem um impacto.
Acho que também é importante passar tempo na natureza. Nós só protegemos as coisas que amamos, e você não pode deixar de amar o mundo natural quando aproveita a oportunidade para testemunhar o quão verdadeiramente milagroso é.
UNEP: Que planos têm em seu horizonte?
Kristine: Temos muitos projetos novos em andamento para proteger a terra e o mar no Chile e na Argentina e, naturalmente, temos certos compromissos com alguns projetos passados que nos mantêm ocupados também. Muitas vezes nos perguntam: "O que vocês farão a seguir?", e posso lhes dizer que a urgência da crise climática e da crise de extinção só cresce a cada dia. Somos impelidos a trabalhar ainda mais rápido, em maior escala e com maior determinação do que nunca.
Lewis: Neste momento, minha equipe e eu estamos focados em ajudar a construir uma rede de áreas marinhas protegidas ao redor da Antártica, para proteger a região do tipo de sobrepesca industrial que dizimou outros oceanos, e para ajudar a mitigar os impactos da mudança climática.
Essas áreas protegidas estarão na Antártica Oriental, no Mar de Weddell e na Península Antártica. Juntamente com o MPA do Mar de Ross, elas protegerão mais de 4 milhões de km2 de oceanos vulneráveis. Isso envolverá um trabalho considerável e diplomacia, já que as 25 nações que governam a Antártica, todas têm que concordar com isso. Mas eu estou absolutamente determinado a ajudar a proteger adequadamente a parte incrível do mundo.
*Tradução de Laura Larré, UNV Online.