Olhe atentamente este mapa interativo do mundo e linhas rosas onduladas são visíveis em quase todos os principais corpos de água salgada, do Golfo do México à Baía de Bengala. As linhas representam o movimento de barcos capturados através de uma rede de satélites e estações de monitoramento terrestre.
Mas esses não são barcos comuns. Os pesquisadores suspeitam que eles estejam dragando areia do fundo do oceano, uma prática muitas vezes mal regulamentada que está destruindo ecossistemas marinhos e esgotando as reservas globais de areia, um dos recursos naturais mais preciosos do mundo.
O mapa interativo faz parte do Marine Sand Watch, a primeira plataforma de dados públicos do mundo para monitorar a dragagem de areia e outros sedimentos. "A dragagem de areia pode ter impactos severos na biodiversidade e na pesca", diz Pascal Peduzzi, diretor do GRID Genebra, um centro de informações ambientais sediado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). "Até recentemente, as embarcações de dragagem operavam nas sombras. Com a nossa plataforma, estamos tornando visível o invisível."
Lançado pelo PNUMA em setembro de 2023, o Marine Sand Watch descobriu o que Peduzzi chama de tendências "preocupantes". Entre elas, na última década, cerca de 16% das dragagens ocorreram em reservas marinhas destinadas a proteger plantas e animais vulneráveis.
Dragagem, dragagem em todos os lugares
A areia é a segunda commodity mais utilizada do mundo, depois da água. A areia marinha é um elemento básico na construção, mas as reservas mundiais estão se esgotando em taxas nunca antes vistas. O PNUMA estima que entre 4 bilhões e 8 bilhões de toneladas de areia marinha estão sendo extraídas todos os anos. Isso equivale a 1 milhão de caminhões cheios por dia.
"O caminho que estamos trilhando agora simplesmente não é sustentável", diz Peduzzi.
A extração de recursos naturais mais do que triplicou entre 1970 e 2019, impulsionada, em grande parte, por um aumento maciço na mineração de areia e outros materiais de construção conhecidos como agregados. O aumento na extração de recursos está fomentando as mudanças climáticas, a perda de espécies e o estresse hídrico.
No final deste mês, representantes de governos, grupos da sociedade civil, cientistas e líderes empresariais de todo o mundo se reunirão em Nairóbi, no Quênia, para a sexta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-6), o principal órgão de tomada de decisão ambiental do mundo. Espera-se que as discussões se concentrem em como a ciência, os dados e as tecnologias digitais, como o Marine Sand Watch, podem apoiar a transição para uma mineração mais responsável e o uso sustentável de minerais e metais.
Depois da quinta sessão da UNEA, o PNUMA conduziu uma consulta intergovernamental para identificar questões prioritárias relacionadas à gestão da mineração e dos metais. Os países discutiram a criação de um Observatório Global de Areia mais amplo para fortalecer ainda mais o conhecimento científico, técnico e político.
O Marine Sand Watch usa um tipo de sinal de rádio de curto alcance a bordo de barcos maiores para mapear seus movimentos. Algoritmos avançados e inteligência artificial então analisam esses movimentos, procurando os sinais reveladores da dragagem. Esses podem incluir movimentos curtos de vai e vem.
Durante seus primeiros meses de operação, o Marine Sand Watch detectou práticas ruins de dragagem em todo o mundo. Focos de dragagem foram encontrados nas costas da Europa, América do Norte, Ásia Ocidental e Ásia Oriental. Em vários lugares, os pesquisadores acreditam que a areia foi usada para escorar praias, portos e construir ilhas artificiais.
Entre 2018 e 2022, até um sexto das dragagens ocorreu em áreas marinhas protegidas, zonas que deveriam ser santuários de vida submarina.
"Uma das principais revelações dos últimos meses foi a dragagem ser comum em áreas protegidas", diz Peduzzi. "Francamente, esse é um desenvolvimento preocupante porque a dragagem é muito destrutiva e essas áreas são muitas vezes ecologicamente muito sensíveis."
Areia e cascalho são partes vitais dos ecossistemas marinhos. Eles formam uma ponte entre a terra e o mar, amortecem as costas contra tempestades e protegem os aquíferos costeiros da salinização. Eles também sustentam inúmeras plantas e animais. Peduzzi diz que a vida submarina é, muitas vezes, dizimada por embarcações de dragagem, que ele compara a aspiradores gigantes. "Todos os microrganismos da areia são triturados e nada fica para trás. Se você tirar toda a areia para a rocha nua, nada vai se recuperar."
Em 2022, os países do mundo assinaram o Marco Global de Biodiversidade, um acordo histórico para proteger e restaurar a natureza. Uma das metas do acordo inclui a salvaguarda de 30% do oceano. O Marine Sand Watch pode ajudar a rastrear o quão protegidas essas áreas estão, diz Peduzzi.
Padrão global necessário
Os dados coletados pelo Marine Sand Watch vão além de apenas rastrear dragagens offshore. Eles também podem identificar portos que são especializados no comércio de areia e estimar a quantidade total de areia extraída em um determinado país.
Peduzzi suspeita que a maior parte da areia é dragada legalmente por empresas que operam em concessões entregues por governos. A plataforma pode ajudar os países a garantir que as empresas de dragagem estejam aderindo às áreas licenciadas que passaram por avaliações de impacto ambiental. Peduzzi diz que as nações podem receber ajuda de monitoramento do PNUMA/GRID Genebra.
O Marine Sand Watch monitora cerca de 60% de todas as embarcações de dragagem em todo o mundo, com a meta de 100% de cobertura.
Não existe um padrão global para a extração de areia. Peduzzi espera que o Marine Sand Watch ajude a mudar isso e estimule uma discussão sobre as melhores práticas. A plataforma também foi projetada para ajudar as nações em desenvolvimento a reforçar sua capacidade de monitorar o meio ambiente.
"Precisamos que os países e o setor de dragagem considerem a areia como um material estratégico", diz Peduzzi. "Devemos nos engajar rapidamente em negociações sobre como criar um padrão internacional sobre dragagem marinha para minimizar seus impactos ambientais."
A sexta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-6) acontecerá de 26 de fevereiro a 1º de março de 2024 na sede do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em Nairóbi, no Quênia. Como o mais alto órgão decisório do mundo sobre o meio ambiente, a UNEA tem como objetivo ajudar a restaurar a harmonia entre a humanidade e a natureza, melhorando as vidas das pessoas mais vulneráveis do mundo. UNEA-6 se concentrará em como o multilateralismo pode ajudar a enfrentar a tripla crise planetária das mudanças climáticas, da perda da natureza e da biodiversidade, da poluição e dos resíduos.